terça-feira, dezembro 23, 2014

De maneiras que, e mais uma vez ao contrário dos outros anos, não vou enviar mensagens nem telefonar a quem quer que seja a desejar feliz natal, ou próspero ano novo.

Impossibilidades

Por esta altura, ou talvez não, já teria neste espaço uma qualquer árvore de natal e uns votos de festas felizes.

Este ano estou a ser incapaz de postar seja o que for nesse sentido.

As razões são muitas.

A principal é que estou a sentir, mais que nunca, a perda. Sinto a falta. Das pessoas. Do espírito.

Os natais que vivi são irrepetíveis. Nunca havia alegria como aquela. Era como se o ano todo se andasse a preparar para dar as pessoas doses maciças de jubilo, alegria, felicidade.

E assim foram pelas pessoas que o compunham (ao natal) como pela ideia do mundo que tinha.

Nada daquilo se manteve. O que acaba por ser natural. As pessoas partem, tanto física como mentalmente, e as nossas concepções também.

Por isso, em vez dos habituais votos de boas festas, vou escrever, uma vez mais para memória futura, algumas lições que tiro deste ano.

A de hoje é:

- Não vale a pena fazer o bem, ajudar, assistir. É mais feliz quem não pratica semelhantes virtudes.

(Não estou a querer dizer que o contrário é aceitável.)

segunda-feira, dezembro 22, 2014

Por ocasião do Natal

Descobri que me tornei um cínico.

É verdade.

Toda a gente fala dos grandes confrontos e guerras que existiram na história.

Raramente alguém se lembra de quem estava no meio. Na diplomacia, no controlo de danos, na promoção do entendimento.

A verdade é uma: não obstante a existência de meios pacíficos de resolução de litígios, sejam eles quais forem, uma contenda só acaba quando alguém a vence.

Alguém tem de perder para que haja, pelo menos, alguém contente, um vencedor.

Ninguém está disposto a transigir, a chegar a meio termo.

Na ótica dos terrestres, transigir é perder totalmente. E isso ninguém quer.

Vai daí, tornei-me cínico.

Estou no meio de tudo. Ou quase.

Estou constantemente a tentar apagar fogos, a pacificar a equilibrar.

E isso é tarefa de um cínico.

Também descobri recentemente, ou talvez não, que só conta, para toda a humanidade (escrevo duas vezes: TODA A HUMANIDADE) os actos tidos por errados.

Não sobra a lembrança, jamais, de atitudes nobres e corretas. A desconfiança nunca merece arguição. Uma coisa que parece errada aos olhos de um julgador, passa a não parecer, para ser, e uma vida normal é um atentado à decência.

Isto para dizer que, aos olhos dos que me rodeiam, sou uma desilusão.

E isso é mais trágico de aturar no Natal.

quinta-feira, dezembro 18, 2014

Relato

Tenho um chefe.

O chefe chefia, portanto manda.

O chefe mandou, ainda que de forma abstrata, fazer determinado requerimento.

Foi feito.

Começava assim: "A Exequente, tendo tomado da Oposição apresentada (...)".

Como é óbvio, faltava lá uma palavra: "conhecimento".

Fui chamado.

Foi-me dito que o meu Português é imperceptível, que sou distraído, tudo num tom parecido àquele que é usado para escorraçar um cão vadio que tenta raspar o nosso caixote do lixo.

Num fundo, a realidade, sendo brutal, fala comigo por enigmas.

Esqueci-me de escrever "conhecimento". Só pode ser porque tenho falta dele.

O meu Português é imperceptível, daí ter concluído as disciplinas que o ensinam sempre com muita dificuldade.

O tom que é usado comigo é o próprio. Afinal, que sou eu senão um cão vadio à cata de lixo?

Isto só não acabou comigo porque estas crises são cíclicas e não contínuas.

Numa linguagem pueril, o chefe esquece-se que me odeia, durante certos períodos de tempo. Depois lembra-se.

Quando se lembra, a pena por me ter esquecido do "conhecimento" é ser tratado como aquilo que sou e mereço.

Se quero pagar renda, comer, tomar banho e fazer outras coisas que custem dinheiro, tenho que aceitar a minha condição.

De cão.

Que sou.

segunda-feira, dezembro 15, 2014

A importância da física e da química nos dias que correm.

• 500 gr de farinha
• 3 ovos
• Raspa de laranja
• 50 gr de açúcar
• 50 gr de manteiga
• 50 gr de aguardente
• Água e sal q.b.

Misturar bem o açúcar com a manteiga. Adicionar os ovos, a aguardente, a farinha e o sal e amassar muito bem. Adicionar água se necessário e amassar até obter uma massa lisa e elástica. Deixar repousar durante, pelo menos, uma hora.
Tender rectângulos com o auxílio do rolo, numa espessura de 2 milímetros. Fazer três cortes no meio. Fritar em óleo e passar por açúcar e canela.

Espírito Santo

Numa rábula mágica do Herman Enciclopédia, imagina-se o que seria uma recriação do "Juiz Decide" em que os "litigantes" são o Menino Jesus e o Pai Natal.

No final, o Pai Natal perde, uma vez que não existe. Em termos técnicos isto chama-se excepção dilatória por falta de personalidade jurídica e, portanto, judiciária. Efeito: absolvição da instância.

Adiante.

Apesar do desfecho desfavorável, os atores processuais cumprimentam-se e o Menino convida o Pai Natal para ir lá jantar a casa, por conta do Espírito Santo. O Pai Natal pergunta se também não existem negócios com o Jardim Gonçalves.

Quando olho para Ricardo Salgado, sempre presumindo a sua inocência e verdade no que alega, lembro-me dos milhões de trocadilhos que se podem fazer com as palavras "Espírito Santo". Aqui há dias, não vi trocadilhos, lembrei-me de algo. Percebi, se assim se quiser.

Esta altura do ano fez entrar uma frase na minha cabeça: "se tivesse tempo e dinheiro, andava sempre e gastava tudo nos médicos".

Tristemente, este tem sido o meu mantra. Especialmente desde o começo do fim-de-semana.

Para mim, nada seria mais reconfortante do que fazer todos os exames possíveis e imaginarios às mais ínfimas partes do corpo.

Mas, melhor mesmo, seria passar uma hora por semana (quiçá duas) num gabinete psiquiátrico a falar da vida.

Só falar, despejar. Tudo a ser ouvido por uma parte imparcial que tomava notas, dava dicas e receitava comprimidos, os quais cuja toma iria negligenciar.

O meu ideal de dia seria acordar, ir para um ginásio privativo durante uma hora, já depois de ter tomado o pequeno almoço e lido as gordas dos jornais. Depois do ginásio, as consultas e exames. Análises ao sangue, urina, fezes e auscultação. Semana sim, semana não, análise ao escarro. Raio-x, TAC.

O almoço era elaborado por alguém que eu nunca iria conhecer e que faria algo supreendente, estando vedada a confecção de peixe cozido.

Depois de almoço, iria litigar. Dar pareceres. Essas coisas.

Depois, ao fim da tarde, psiquiatria para cima. Uma hora de palranço do mais chato e infeliz.

Jantar nos mesmos moldes do almoço.

Cinema.

Cama.

Desviei-me um bocado da rota.

Natal, não era? No que o Ricardo Salgado me levou a pensar.

Enfim, está aí a época.

Não há muitos anos começava a sonhar com o reencontro da minha família. Muitos deles são velhotes desde que me lembro. Mas ainda assim. Nunca fui avesso a pessoas idosas, pelo contrário. Sobretudo àqueles que passavam o Natal comigo devo quase tudo o que sou.

Hoje parece que cresci. A 10 dias do Dia de Natal só me consigo lembrar do que me falta.

Faltam pessoas centrais. Falta, curiosamente, alguma paz.

Vou voltar ao Herman, uma vez que comecei com ele. Lembrei, já neste blog, uma entrevista que ele deu a um programa chamado "Baseado num histórica verídica", em que dizia que a vida dos pobres é uma seca, que não seria, sequer, parecida à do Ricardo Salgado (sempre ele), onde se falaria de cavalos, affairs com chauffers e por aí fora.

Não vou concluir.


quinta-feira, dezembro 11, 2014

Tempo

Estou doente. Não sei se é grave. Não sei se é normal.

Nesta altura do ano, acontece ciclicamente. Constipações múltiplas. Pingo de ranho no nariz, espirros.

Contudo, ao contrário dos outros anos, tratei dos sintomas supra expostos, mas sobrou um: a tosse.

Quem me conhece sabe que tenho medo de duas coisas: do escuro e da tosse.

Tenho uma tosse semi-produtiva há, precisamente, 6 dias. Pior, é mais frequente no início e no fim do dia.

São vários traumas a congregar a desgraça. Neste momento, queria estar em quarentena, a levar com todos os antibióticos possíveis e imaginários.

Mas não.

É neste momento que quero falar do tempo. Não do tempo enquanto fenómeno meteorológico, mas enquanto divisão do dia em horas, minutos e segundos.

E queria lançar um lamento. Tão típico, tão eu.

Lamento não ter tempo de me ir meter no primeiro médico que vir. Lamento não ir a correr para as urgências para me fazerem todos os testes e mais alguns.

Isto é triste, não é?

Odeio estar assim.

sexta-feira, dezembro 05, 2014

sexta-feira, novembro 21, 2014

Sabotagem

Ainda ontem, no gabinete onde exerço cerca de 98% da minha actividade profissional, uma cliente relatava-me como lhe tinha sido "roubado" um contrato de serviços de transporte que havia celebrado com um importante cliente espanhol.

Explicitando, a senhora era uma empresária de sucesso, com faturação anual de mais de € 500.000,00. De um dia para o outro, os empregados, ainda que contratualmente obrigados a absterem-se de semelhantes condutas, constituiram uma empresa e conseguiram que o cliente da dita senhora cessasse o contrato e lhes adjudicasse os serviços.

Esta conduta é reprovável a todos os níveis. Tenho mesmo a sensação que nem o Camilo Lourenço instigaria a tanto, o que não é dizer pouco.

A cliente procurava uma definição para isto. Falou em sabotagem. O primeiro dicionário on-line que a pesquisa do google fornece define sabotagem como: Sabotagem significa toda a ação que visa prejudidar o trabalho de alguém. Sua origem vem da França, onde a palavra ¨sabot¨quer dizer tamanco e antigamente, os operários trabalhavam usando tamancos. Nos protestos contra o patrão , jogavam os tamancos sobre as máquinas para danificá-las, daí o têrmo ficou conhecido com o seu significado atual.

Tenho defendido que coisas más devem acontecer a más pessoas. Tenho, inclusivamente, desejado com algumas das mais profundas forças do meu ser que aconteçam coisas más a más pessoas.

Apesar disto, uma coisa parece certa: nada vai acontecer, a menos que seja provocado. Daí relembrar o episódio da supra citada senhora. Os empregados, (inserir adjectivo), levaram a cabo o seu plano e trabalharam a seu favor. É bem verdade que sabotaram as relações profissionais da senhora, mas eu também já referi que a acção é tudo menos digna.

A lição que tiro disto é que, até em acções profundamente condenáveis estão exemplos. Digo isto a observar uma esfera humana com neve no seu topo. Uma esfera que grunhe, que se move qual lesma, a arrastar-se.

quinta-feira, novembro 13, 2014

Notas

Como sempre, voltou a chover.

A chuva traz consigo um certo estado de alma.

Até esta linha, só escrevi lugares comuns.

O pior da chuva é quando age em comparticipação. Ou quando tem cumplices. Nesse caso, o corpo humano é uma diligência a percorrer uma qualquer paisagem árida do "far-west" prontinha para ser assaltada pelo bando mais temido das paragens: a chuva, o vento, o frio e o sono.

Na diligência que vos escreve, o sono será sempre o cabecilha.

Fui assaltado.

(Metaforicamente, certo?)

sexta-feira, outubro 31, 2014

Em memória

Deixai que a Vida sobre Vós Repouse  


Deixai que a vida sobre vós repouse
qual como só de vós é consentida
enquanto em vós o que não sois não ouse

erguê-la ao nada a que regressa a vida.
Que única seja, e uma vez mais aquela
que nunca veio e nunca foi perdida.

Deixai-a ser a que se não revela
senão no ardor de não supor iguais
seus olhos de pensá-la outra mais bela.

Deixai-a ser a que não volta mais,
a ansiosa, inadiável, insegura,
a que se esquece dos sinais fatais,

a que é do tempo a ideada formosura,
a que se encontra se se não procura.

Jorge de Sena, in 'As Evidências'

sexta-feira, outubro 17, 2014

Para quem gosta

No próximo dia 24 de Outubro, vou estar em Leiria a enfadar os locais.

Trata-se do VI Congresso Internacional de Ciências Jurídico-Empresariais, a realizar no Instituto Politécnico de Leiria.

Fica o programa:

9h 30m Sessão de Abertura
Nuno Mangas
Presidente do IPLeiria

10h Os limites da autonomia privada nos planos de recuperação
Paulo de Tarso Domingues, Faculdade de Direito da Universidade do Porto

10h 30m A declaração de insolvência por atraso nas contas das sociedades comerciais
Paulo Vasconcelos, ISCAP/IPP

10h 50m O processo de insolvência enquanto realidade fiscal
Paula Martins Cunha, Advogada

11h 10m A responsabilidade tributária do administrador judicial
António Peixoto Araújo, Solicitador
Maria João Pimentel Felgueiras Machado, ESTGF/IPP

11h 30m Ejecucion de la hipoteca sobre el buque en situaciones concursales: aspectos generales
Francisco Torres, Universidade de Vigo, Espanha

11h 50m Debate

12h 10m Pausa para almoço

14h Tema a designar
Luís Martins, Advogado

14h 30m Os créditos laborais no processo especial de revitalização
Ana Ribeiro Costa, UCP-Escola de Direito do Porto, Advogada

14h 50m Recuperação de empresas: efeitos sobre os negócios e ações em curso
Ana Cláudia Redecker, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

15h 10m Pedido de declaração de insolvência por outro legitimado: exercício do direito de ação ou abuso de direito de ação?
Lurdes Dias Alves, Universidade Autónoma de Lisboa

15h 30m As opções em aberto no CIRE: reestruturar, revitalizar, recuperar ou liquidar?
António Raposo Subtil, Advogado

16h Debate

16h 20m Coffee Break

16h 40m A pessoa insolvencial no processo de insolvência – um contributo para o enquadramento dogmático do plano de insolvência
Pedro Barrambana Santos, Advogado estagiário

17h A não homologação do plano de pagamentos na insolvência singular: um caso
Duarte Cadete, Advogado

17h 20m A recuperação judicial na lei 11.101/2005: pode-se falar em (in)eficácia do instituto?
Lais Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil, consultora empresarial

17h 50m Análise sócio-jurídica da exoneração do passivo restante
Catarina Frade, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

18h 20m Debate

18h 40m Sessão de Encerramento
Nuno Rodrigues, Subdiretor da ESTG


Não é gratis, mas é dinheiro bem empregue uma vez que, tirando este vosso amigo, há temas e convidados bem interessantes. 
 
 
Link:  http://cicje.ipleiria.pt/home/

Da igualdade enquanto valor universal a preservar

(Não se entenda, por um minuto que seja, que o texto abaixo se destina a rebaixar quem quer que seja ou que se pretende minorar uma luta pelos direitos cívicos das pessoas portadoras de deficiência. Serei sempre o primeiro a apoiá-las, contudo, deixai-me gozar um pouco o prato).

Onde trabalho, há lugar para todos.

Velhos,

Novos,

Experientes,

Novatos.

Na senda da boa vontade e paz entre os Homens que uma chefia esquerdalha (ou só pretensamente) sempre apadrinha, foi contratado para exercer funções de "coiso" o irmão do empregador.

Cumpre, para poupar tempo, desmistificar os traços essenciais do indivíduo.

É parvo. Profundamente. Muito. Quase inexplicavelmente. Dá quase para perguntar quem é que pode ser assim.

Ora, o irmão do empregador, a quem vamos tratar por "Coise" (sim, com "e" no fim, dito à moda de Alfama) padece de uma enfermidade patológica.

Se calhar sabe, se calhar não sabe.

Mas é visível, é palpável.

E torna-se complicado trabalhar com alguém assim.

O "Coise" tem, como uma das funções, para as quais é altamente qualificado, inscrever num programa informático as horas debitadas aos clientes por realização de tarefas jurídicas.

Dou um exemplo:

Se fiz uma peça processual que durou 1 hora, inscrevo o nome da peça, o tempo despendido e o nome do cliente numa folha-razão e entrego-lha.

Hoje, para não variar, veio ter comigo e perguntou-me o que tinha escrito. Respondi-lhe.

"Contrato. Entre os parenteses está escrito minuta".

Resposta:

"Epá, mas tá entre os parenteses porquê? Não escreveste minuta de contrato porquê? Fogo!"

Foi até ao seu covil, onde faz penar uma jovem estagiária, a repetir isto. Chegou lá e ainda se queixou à jovem, espantado pelo facto de se ter escrito "Minuta" entre parenteses.

Foi nestes episódios que descobri o ateísmo.

É que se houvesse Deus, havia um raio que fulmimava tamanho pleonasmo andante.

Se existisse Divindade, aquela sumula de tudo o que está mal na humanidade tinha um qualquer destino que não o mesmo local de trabalho que o meu.

Também o ora escritor deveria usar o seu tempo para ser útil, mas prefere queixar-se de trolhas promovidos a diretores de recursos humanos.

Mas também eu sou um bocado um erro com pernas.

segunda-feira, outubro 13, 2014

Proliferação de proliferações ao nivel da proliferia

A última palavra do título é por mim inventada.

Depois de gozadas as férias/lua-de-mel, regresso ao meu trabalho. Claro que, nos dias que correm, é já uma grande sorte ter emprego e ser remunerado pelo trabalho que se desenvolve.

Não obstante, se me perguntarem se queria estar noutro lado, a resposta será "sim".

Neste momento, motiva-me um facto para escrever este post.

Um colaborador da sociedade ouve, a altos berros, o "Vermelho", popularizado pela Fafá de Belém. Contudo, não é essa versão que toca, mas uma outra.

Ora, há coisas piores que estar a ouvir o "Vermelho" a "altos berros".

Contudo, após a versão menos conhecida, toca a versão conhecida. E depois disso, a Adele (never mind i find um chouriçooooo).

Que classe.
Entretanto, casei-me.

segunda-feira, setembro 15, 2014

Virtutibus Maiorum ut sit omnibus documento

Do arco da Rua Augusta consta a inscrição que serve de título a este post.

Não sendo este o espaço que vai informar o que significa aquele latido, acabo por me lembrar daquela frase como se fosse um pequeno consolo.

Cada um encerra características (normalmente chamadas de "feitio") que fazem pensar, ainda que só por breves instantes, que nada aconteceu antes deles e que a história é mais estória que outra coisa.

Tão só quero lembrar-me, avidamente, que a decorrência da miséria física e moral em que me encontro tem pouco de importante ou exclusivo. É bastante comum esquecer-me de qual era a minha postura quando consegui estar em fases melhores da minha vida.

Não havia "e se?".

Não havia "vamos lá ver se".

Havia o "vamos". Que é a primeira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo ir.

Pois bem, apesar de ser mau, triste, ser paradigmático dos aspectos negativos que a vida tem dado a provar, há que lembrar que não será o primeiro, nem o último casório feito à chuva.

Vamos lá.

Utilização devida de vernáculo.

Vai chover no dia do meu casamento.

Os patriarcas fazem esforço financeiro para pagar uma boda num espaço bonito, arranjado, onde se possa fazer uma cerimónia civil ao ar livre.

Mas vai chover.

O espaço onde se vai realizar todo o evento tem arranjos, recantos verdes, locais ótimos para o momento-seca da celebração.

Mas vai chover.

Ao longo dos últimos anos, perdi pessoas essenciais na minha vida. O mesmo diga a minha Noiva.

Profissionalmente, queria ter outra experiência, remunerada claro, mas aqui estou a levar com os humores de alguém que se pensa o maior e está cada dia mais velho e acabado.

Vai chover no meu casamento.

Aquilo que poderia distinguir e justificar os sacrifícios que foram feitos para nossa felicidade vai ser arrasado porque, este ano, vai chover naquela data.

Perdoai-me.

Mas cá vai.

Puta que pariu esta merda toda.

Caralhos fodam a puta da minha sorte.

Estava a precisar de ir para um monte, só com água e comida.

Isolado.

Sozinho.

Por um ano.

Não há nada, rigorosamente nada que corra bem.

É um paradoxo. Modo geral, a vida nem é nada má.

Depois há isto.

As perdas. Os dias cinzentos.

Chuva.

Chuva.

E mais um bocado de chuva.

Se tivesse escolhido casar em Julho...

...teria chovido, a bom chover, em Julho.

segunda-feira, setembro 01, 2014

Mantra

man·tra
(sânscrito mantra, pensamento)
substantivo masculino

[Filosofia, Religião] No hinduísmo e no budismo, fórmula (palavra ou expressão) que se pronuncia repetidamente e que visa alcançar um estado de relaxamento, contemplação e meditação.

"mantra", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/mantra [consultado em 01-09-2014].


Pois bem, Setembro.

Como diz a música (raios partam, que não há nenhuma música que faça alusão directa ao número 27)

Hey hey hey
Ba de ya, say do you remember
Ba de ya, dancing in September
Ba de ya, never was a cloudy day

Portanto, dancing in setember sem que haja cá cloudy days.






Do you remember the 21st night of September?
Love was changing the mind of pretenders
While chasing the clouds away

Our hearts were ringing
In the key that our souls were singing
As we danced in the night
Remember, how the stars stole the night away, yeah yeah yeah

Hey hey hey
Ba de ya, say do you remember
Ba de ya, dancing in September
Ba de ya, never was a cloudy day

Ba duda, ba duda, ba duda, badu
Ba duda, badu, ba duda, badu
Ba duda, badu, ba duda

My thoughts are with you
Holding hands with your heart to see you
Only blue talk and love
Remember, how we knew love was here to stay

Now December found the love that we shared in September
Only blue talk and love
Remember, the true love we share today

Hey hey hey
Ba de ya, say do you remember
Ba de ya, dancing in September
Ba de ya, never was a cloudy day

There was a
Ba de ya, say do you remember
Ba de ya, dancing in September
Ba de ya, golden dreams were shiny days

The bell was ringing, aha
Our souls were singing
Do you remember every cloudy day, yau

There was a
Ba de ya, say do you remember
Ba de ya, dancing in September
Ba de ya, never was a cloudy day

There was a
Ba de ya, say do you remember
Ba de ya, dancing in September
Ba de ya, golden dreams were shiny days

Ba de ya de ya de ya
Ba de ya de ya de ya
Ba de ya de ya de ya de ya
Ba de ya de ya de ya
Ba de ya de ya de ya
Ba de ya de ya de ya de ya


sexta-feira, agosto 29, 2014

"Eu gostava de ser bibliotecária. Mexer nos livros...catalogar os livros...mandar calar as pessoas..."

terça-feira, agosto 19, 2014

Das coisas que nunca me tinham acontecido até acontecerem

Tocou o telefone adjacente à minha secretária de trabalho.

Atendo.

Do outro lado uma voz jovial, mas pertencente a um "jovem" de mais de 70 anos. Identifica-se. Pergunta por uma colega.

Uma vez que a colega não estava, calhou-me ser o destinatário dos anseios do interlocutor.

- "Sou amigo do fulano de tal. Era vosso cliente, não era? Quer dizer, era de certeza que fui aí com ele. Sabe se já acabou o processo que ele tinha ?".

Caro leitor, quando se é advogado e é feita uma pergunta como esta, soem os alarmes.

Respondi que sabia que caso era mas que desconhecia o desfecho. Voltou a carga.

- "Sabe, sou muito amigo dele. Quando ficou doente, era eu que lhe dava a comida. Era eu que o ajudava. É meu amigo, queria mesmo saber se estava tudo bem"

Não me quis alongar. Suspeitei que trazia água no bico.

- "O fulano de tal era muito amigo de restaurantes e dessas coisas da burguesia (juro que foi isto mesmo que ele disse). Ainda há dias, fui ter com um dos amigos dele, num restaurante e o homem disse-me que eu não ia receber nada"

Oi? Calma aí.

- "Pois, é que eu ajudei-o muito. Ele é uma pessoa com pouca higiene. Ia a casa dele para ele não ter de sair de casa. Além disso, disseram-me que ele apareceu no café num Mercedes Novo e agora foi de férias, nem sei para onde".

Ligado o piloto automático, foram sendo debitados os clássicos e sempre seguros: "Pois, pois, sim, sim".

- "Enfim. Queria só saber se correu tudo bem. Obrigado pelo seu tempo e ajuda."

De nada.

- "Vamos lá ver se recebo qualquer coisa".

Numa toada mais reflexiva, acho que fiz bem em não dar como resposta o envolvimento da questão pelo segredo profissional. O homem ia ficar a pensar que o nosso cliente tinha pedido segredo e isso só ia tornar aziaga uma relação que outrora não era má.

Como poderia o homem pensar que eu lhe ia dar uma informação destas?

quarta-feira, agosto 13, 2014

A propósito do fim da vida


No espaço de 24 horas, faleceram Robin Williams, Dóris Graça Dias, Lauren Bacall e Emídio Rangel.

À sua maneira, farão todos falta.

A morte traz várias questões, mas também uma crueza intemporal: calha a todos, não para e não escolhe timmings. A negritude do evento e a força da sua inevitabilidade trazem-me um espanto que não conhecia.

Pensarão alguns que isto não é novidade nenhuma. Mas, até aqui, lembro-me de uma diálogo de "Good Will Hunting", em que Robin Williams, malogrado, ganhou um Óscar: "Podes saber como é o tecto da Capela Sistina e quem a pintou, mas não tens a mais pequena ideia ao que cheira".

É o ser e o estar. O saber e o viver.

Passa, à minha e à nossa frente, o fim da validade de alguns corpos. Só resta esperar que sobre algum legado, que não se apaguem existências, só pelo mero facto de não respirar o corpo que as carrega.

Depois, torna-se impossível não lembrar aqueles que partiram. Torna-se algo de hercúleo não poder acreditar na vida depois da morte e no divino. Era tudo tão mais fácil. Do desaparecimento mudava-se a agulha para uma temporária ausência.

Mas não. Lá por ser dura demais não deixa de se chamar realidade.



segunda-feira, julho 21, 2014

A venda de bens e a prestação de serviços - Algumas notas banais

Há um aspecto fundamental na distinção entre venda de bens e prestação de serviços.

Do ponto de vista legal, e sem me alongar, estamos a falar de contratos diferentes, com regimes diferentes e finalidades diferentes.

Ainda aí, lembrando que há IVA a pagar sobre quase todos os suspiros dados, não é perfeitamente igual o regime de tributação de uma venda de bens ou de uma prestação de serviços. De resto, não sei se é possível existir uma fraude carrocel com prestação de serviços.

Voltando ao texto, falava de um aspecto fundamental.

Trata-se do aspecto que faz com que existam sindicatos de trabalhadores, mas não de credores financeiros, institucionais, ou mesmo de vendedores.

Trata-se do aspecto que faz com que o trabalho intelectual esteja desvalorizado ao mínimo.

Trata-se do olhar social.

Para qualquer pessoa, qualquer mesmo, nunca será igual não pagar uma batedeira no Supermercado ou deixar de pagar um salário a um trabalhador.

Não será.

Quando falta o dinheiro para pagar o salário ao trabalhador, os argumentos são os mesmos: "empresa não pode pagar mais; ai a crise, a crise; isto está dificil".

Quanto falta o dinheiro para pagar um bem, muda tudo: "porque se não se paga a fornecedores, cai a economia, porque a pessoa investiu ali dinheiro e agora fica sem ele".

Chegou-se a um ponto em que só vale dinheiro o que é tangível, o que se vê.

Nada mais.


quinta-feira, julho 17, 2014

Hoje, em modo avec





Il faut attendre le moment

segunda-feira, junho 30, 2014

Uma problemática de Direito Penal, mas também um vago pensamento sobre o outro lado do espelho

Em 2013, saiu um filme chamado "A Purga". Apesar do simples conceito, não se pode deixar de pensar na sua raison d'être (pardon my french), bem como nos seus benefícios, sendo mais evidentes os malefícios.

Parte-se desta premissa: todo o facto típico, ilícito, culposo e punível (ou seja, todo o crime) fica desculpado num período de 12 horas, numa só noite do ano. O mesmo é dizer que vale roubar, violar, burlar e até mesmo matar naquela janela temporal. Fora dela, há punição como sempre.

Como qualquer humano com uma (ainda que pequena e não diagnosticada) patologia do foro mental, tenho uma lista de individualidades que "despachava" com o gosto de quem vai comer uma lampreia na altura certa do ano. Assim, creio que a supra citada razão de existir, seja do conceito, seja da realidade virtual em que é aplicado, vem destes desejos intímos da prática da maldade com impunidade. É comum.

Agora, supondo, no reino do impensável (porque é mesmo do impensável que se trata), que esta "prática" existia, seria criado um dilema. Valeria a pena arriscar e tentar "lograr" as possibilidades que aquelas 12 horas trariam? Quem vai à guerra dá e leva. Simples as that.

A minha pergunta é: vale tudo? Valeria tudo? Quem me garantia que não haveria uma alma da minha lista, à minha espera, com o mesmo objectivo que o meu?

Estas pequenas linhas servem só para um ensaio de conclusão sobre os meus sentimentos relativos a uma "borla penal": até no irrealismo absoluto, em que seria permitida a barbarie, seria preciso pensar. Pensar em como conseguir tirar partido de uma folga, de um buraco, sem que para ele sejamos arrastados.

Mas vale a pena colocar um travão. Não se faz a apologia da ideia. Nada seria pior.

sexta-feira, junho 27, 2014

O Paradoxo da Tangência virtual

Comecemos pelos conceitos, o que é bem bonito: o título deste post é uma contradição em si mesmo. Não há tangência virtual. Desde logo, as sensações que a virtualidade (no sentido estrito do uso da internet) nos pode provocar advêm da visão.

Contudo, tomei a liberdade (qual Ambrósio), de receber a tangência como algo superior ao contacto físico ou quase contacto físico.

Ao reler alguns textos (miseráveis, como não?) que aqui escrevi, foi-me irresistível vislumbrar os escritos nas caixas de comentários. Estatisticamente falando, a minha maior comentadora e, quiçá, apoiante, é alguém que está longe, por diversos motivos. Longe da vista, sobretudo, longe do coração.

Para um ser que sofre de diversas patologias do foro psiquiátrico, como o ora signatário, foi-me inevitável recordar um passado já com alguns anos, lembrar-me do que foi como tudo aconteceu, no tocante à dita comentadora.

Cheguei a uma lamentável conclusão, que de algum forma tem relação com o "direito ao esquecimento" de que falou um recente acordão do TEDH. A escrita vale menos que a palavra dita. Vale, sobretudo, menos que as acções. Contudo, existe.

A escrita cristaliza determinado horizonte temporal. Encerra-o. Fica ali. Escrevinhar hoje, numa qualquer caixa de comentários de blogue, serve para marcar um posição com prazo de validade. É certo que, naquele momento, pensou-se o que se escreveu. Contudo, mercê do empirísmo lacinante de que fui alvo, o que se pensou, e até mesmo positivou, voou. Pode ter voado. Ou até não.

Retomando, quem lesse, como li, o que foi escrito, pensaria que tudo estava bem,

Ora, como dei a entender, não está.

Fiquei tocado. Ainda que sem razão.

segunda-feira, junho 23, 2014

Diferentes formas de vida. Até sempre.



É preciso que compreendam: nós não temos competência para arrumarmos os mortos no lugar do eterno.
Os nossos defuntos desconhecem a sua condição definitiva: desobedientes, invadem-nos o quotidiano, imiscuem-se do território onde a vida deveria ditar sua exclusiva lei.
A mais séria consequência desta promiscuidade é que a própria morte, assim desrespeitada pelos seus inquilinos, perde o fascínio da ausência total.
A morte deixa de ser a mais incurável e absoluta diferença entre os seres.

Mia Couto, in 'Cada Homem é uma Raça'

sexta-feira, junho 06, 2014

In memoriam

A Morte Não É Nada Para Nós  

Habitua-te a pensar que a morte não é nada para nós, pois que o bem e o mal só existem na sensação. Donde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte não ser nada para nós permite-nos usufruir esta vida mortal, evitando que lhe atribuamos uma idéia de duração eterna e poupando-nos o pesar da imortalidade. Pois nada há de temível na vida para quem compreendeu nada haver de temível no facto de não viver. É pois, tolo quem afirma temer a morte, não porque sua vinda seja temível, mas porque é temível esperá-la.
Tolice afligir-se com a espera da morte, pois trata-se de algo que, uma vez vindo, não causa mal. Assim, o mais espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois enquanto vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais. Não há morte, então, nem para os vivos nem para os mortos, porquanto para uns não existe, e os outros não existem mais. Mas o vulgo, ou a teme como o pior dos males, ou a deseja como termo para os males da vida. O sábio não teme a morte, a vida não lhe é nenhum fardo, nem ele crê que seja um mal não mais existir. Assim como não é a abundância dos manjares, mas a sua qualidade, que nos delicia, assim também não é a longa duração da vida, mas seu encanto, que nos apraz. Quanto aos que aconselham os jovens a viverem bem, e os velhos a bem morrerem, são uns ingénuos, não apenas porque a vida tem encanto mesmo para os velhos, como porque o cuidado de viver bem e o de bem morrer constituem um único e mesmo cuidado.


Epicuro, in "A Conduta na Vida"


Pela primeira vez, perdi um colega de trabalho.

terça-feira, maio 27, 2014

Um bocado a respeito da causa e efeito, mas de uma perspectiva íntima

Ato de Contrição

Pelo que não fiz, perdão!
Pelo tempo que vi, parado,
correr chamando por mim,
pelos enganos que talvez
poupando me empobreceram,
pelas esperanças que não tive
e os sonhos que somente
sonhando julguei viver,
pelos olhares amortalhados
na cinza de sóis que apaguei
com riscos de quem já sabe,
por todos os desvarios
que nem cheguei a conceber,
pelos risos, pelas lágrimas,
pelos beijos e mais coisas,
que sem dó de mim malogrei

— por tudo, vida, perdão!


Adolfo Casais Monteiro

sexta-feira, maio 23, 2014

Lembrar-me

Como um boomerang bem arremessado.

Esta música volta a mim, sempre sempre, nesta altura do ano.

Lembra-me do começo. Da falta de ar. De me remeter sempre para ela. De entre tantas coisas que nos uniam, a música, a espaços, sempre foi um pouco como o mar.

Regressar à experiência que é ouvir este tema é regressar a um dos muitos inícios que fui tendo. (O que é a vida, afinal, senão uma data de inícios?) Neste caso específico, um início de paixão que perdura. Um início que nunca teve fim.

À beira de completar sete anos de uma sublime união, vejo que o inexplicável que vai cá dentro não mudou.

quarta-feira, abril 16, 2014

Depauperização

"Venda o seu carro e vá ao Rock in Rio".

Apareceu esta mesma mensagem no meu e-mail.

Já me chamaram tudo.

Hoje foi: Indigente.


terça-feira, abril 15, 2014

Citando: "Também sei"


quarta-feira, abril 09, 2014

Cordeiro, pela altura da Páscoa.

Incluido naquilo que se pode designar por realidade figurativamente delimitada a que o direito dispensa um estatuto historicamente determinado para os seres inanimados, não posso deixar de lamentar a ausência de um conjunto de normas e princípios jurídicos concatenados que permite a formação típica de modelos de decisão que proteja a permissão normativa específica de aproveitamento de um bem.

Querendo ganhar dinheirinho ( porque é de "inho" que falo), de criados e admiradores metafóricos passamos a criados reais.





Histórias avulsas sobre o capitalismo

Aconteceu-me.

Quando devia ter cerca de doze ou treze anos (tinha menos de quinze, quase de certeza, mas nunca fiando) fui convidado para a festa de anos de uma vizinha minha, uma criança ainda mais nova que eu.

Já não me recordando ao certo o dia em que teve lugar o certame, recordo-me, contudo, que foi perto do dia 1 de Junho, eventualmente, um dia depois.

E recordo-me porque, na festa de anos, a páginas tantas, a mãe da aniversariante pede atenção e diz que, como no dia anterior (ou há poucos dias trás) foi dia da criança, todas as crianças presentes iriam receber uma prenda.

Foram chamando os nomes. Um a um. Até sair o meu.

Calhou-me um marcador verde daquelas marcas mais conhecidas. Daqueles que se usam para sublinhar os livros fotocopiados.

O Fim.

terça-feira, abril 08, 2014

Da crise do imobiliário

Descobri hoje, pela voz de um autêntico catedrático da advocacia, que a "crise do imobiliário" era o derradeiro argumento contra a lei escrita.

(Claro que para quem ler isto, vai soar avulso e sem sentido. É verdade que sentido tem pouco, mas não é avulso, na medida em que se enquadra numa linha de pensamento e de vida).

A menos que alguma desgraça aconteça (como ser despedido) ou que morra brevemente, será natural o dia em que saia do escritório onde exerço uma espécie de profissão. Um dia.

Quando esse dia chegar, só ficarão as memórias e algumas certezas.

A certeza que há coisas piores que os períodos de estudo na faculdade.

As memórias de quão possível é ser um escroque.

terça-feira, abril 01, 2014

A propósito do 1.º de Abril

Por estes dias, não posso deixar de pensar que a vida, a existência, é uma constante arguição de tese.

Pela parte de quem vive, só cabe elaborar o raciocínio, pensar nas soluções e defendê-las.

É então que aparece a vida, composta por cinco ou seis catedráticos que se preparam para deitar por terra tudo quanto foi defendido.

Se se defender, por mero exemplo, que é possível ser feliz, independentemente das circunstâncias, eis que a vida faz a pergunta que pode levar ao chumbo: "então se for despedido e estiver doente, vai ser feliz como?".

Não raras vezes, a arguição da nossa tese é feita por quem nos é mais próximo. É feita directamente, com interpelações sérias, desagradáveis e ofensivas, como uma boa arguição deve ser.

Outras vezes é feita indirectamente, com as objecções a serem formuladas sob a capa de pergunta ou mesmo logro, a derradeira forma de teste.

Uma coisa é certa e só foi percebida com o advento da proximidade dos 30 anos: terei de passar todo o resto da minha vida/existência a provar que sei, que gosto, que faço, que me importo, que vou ao cabo do mundo, que fico, que não vou, que penso, que não penso, que aprendi, que não aprendi.

É absolutamente falso que se tenha seja o que for. É meramente ilusória a sensação de pertença, seja ela do que for: bens materiais, respeito ou algo mais.

E é falso por causa das vicissitudes da existência. É falso porque todos os sonhos, seguranças e certezas que temos são varridos, qual poeira, com o mais inusitado acontecimento ou facto que acabámos de conhecer.

O que torna o 1.º de Abril verdadeiramente especial é o seu paradoxo. Como a única verdade na vida é a constante mentira, hoje é o único dia da verdade.

sexta-feira, março 07, 2014

O ovo e a galinha

A pergunta tem barbas: quem apareceu primeiro: o ovo ou a galinha?

Há anos, ouvi esta música na rádio. Não será preciso um grande conhecimento músical para perceber, logo aos primeiros acordes, que estamos perante algo extremamente parecido a "Festa" dos "Despe e Siga".

Retomando a pergunta inicial, vale a pena subvertê-la. Quis perceber quem apareceu primeiro, se a "Festa" se a "Fiesta".

Hoje, lembrei-me de consultar a maior fonte de conhecimento: o motor de pesquisa google.

A "Fiesta" veio primeiro.

Nem por isso a prefiro à "Festa".

Este texto está chato, não está? Ouvi a música e dai as mãos contra as bombas antónias.


quarta-feira, março 05, 2014

Da Exoneração do passivo restante

No processo de insolvência, (isto é, um processo que deve ser iniciado quando o seu proponente, ou aquele contra quem a acção é proposta, já não tem hipótese de cumprir as suas obrigações vencidas) existe um instituto jurídico fundamental naquilo que é o equilíbirio que o direito justamente busca: a exoneração do passivo restante.

Muito sinteticamente, trata-se de uma solução para quem, não conseguindo pagar as suas dívidas, pode começar de novo, após um periodo de tempo. Mais simples ainda: aceite o pedido de exoneração do passivo restante, espera o insolvente 5 anos, vivendo em condições miseráveis, até que o seu cadastro obrigacional fique limpo e as dívidas cessem, excluindo dívidas ao estado.

Mais um vez, e por este mesmo meio, venho expressar um lamento: institutos destes não existem para vida pessoal, ou melhor, para a vida moral.

O que seria da humanidade se fosse possível voltar a uma força moral já perdida? O que seria do governo se todos os desempregados crónicos e rejeitados deste país, ao fim de um determinado periodo de tempo, voltassem a acreditar em si?

Trabalhando eu num sítio onde diariamente se recorda o pouco que se vale, desejava um instituto destes.

Insolvi moralmente.

segunda-feira, março 03, 2014

Modo "Pause"



"Pause" no modo "pause" que este blogue vinha tendo. 

Ou seja, "press play", ou como dois negativos dão positivo, penso eu.

Falando um bocado "a latere" de cinema, (e "a latere" porque não me apetece abordar a essência da arte, mas tão-somente aspectos circundantes), terá encerrado o ano cinematográfico, isto é, até para o ano sucessivas estreias de filmes decentes, uma vez que já tiveram lugar os prémios Oscar.

Como sempre, vou achando justiça na designação dos vencedores. O método é eleitoral, parecendo até que há autênticas campanhas, pelo que, ganhando os mais votados e tendo em conta que os gostos são subjectivos, a coisa acaba por compor-se, confessando que vezes há em que preferia não ouvir falar daquele que arrecada a estatueta.

Jurista de formação, e deformado jurista, faço um bocado como Leite de Campos aconselha nas suas "Lições de Direito da Família e Sucessões". O ilustre aconselha qualquer coisa como ver Direito em tudo e Direito da Família especialmente na novela das oito. Há de tudo: divórcio, regulação das responsabilidades parentais, alienação parental, heranças sangrentas e por aí fora.

Eu procuro o lado jurídico no cinema. Gosto especialmente de um filme que "dependa" de principios universais e intemporais de Direito.

Este ano cinematográfico foi especialmente conseguido, sobretudo nos filmes que concorreram a sério pelos prémios.

O mais evidente é "12 anos escravo". Claro que uma pessoa que tenha tido a bênção de não estudar Direito vai apreciar a película com uma sensibilidade diferente. Vai, designadamente, sentir-se prisioneiro na tela. Vai ter pena, sentir compaixão e acompanhar a luta de um inocente. No meu caso, além dessa dor toda, não deixei de pensar nas características da ordem jurídica. Não deixei de pensar em punição (até mesmo coercividade), valores e dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais. Para ser perfeito, e não querendo estragar nada, o filme acaba com a informação acerca do processo que Northup moveu contra os seus raptores. Por um pormenor processual, não logrou qualquer reparação dos danos sofridos. Dá que pensar, sobretudo quando passamos anos (muitos, se me perguntarem) a ouvir doutrina jus-naturalista que apregoa os benefícios do direito natural.

Para além do supra referido, a juridicidade caminha nas restantes telas. "Golpada Americana", "O Lobo de Wall Street", ou mesmo em "Her" (até neste!) não há isenção de debate. Aspectos penais, civis, protecção de dados. Está lá tudo.

Torna-se absolutamente relaxante quando o filme cujo visionamento se prepara é uma "chachada". O pior filme que terei visto nos últimos tempos foi "Freddy vs Jason". O filme é simples: há o Freddy Krueger e o Jason do Sexta-Feira Treze. E é isto. Nem divagações acerca da vulnerabilidade da condição humana. Nem violações abruptas de contratos. Só matança e chachada.

Naturalmente, o espectador não sai do cinema contente com a obra a que assistiu, mas pelo menos não teve que relembrar que uma presunção pode ser ilidível ou inilidível e que existem coisas como o bloco de legalidade do qual faz parte, entre outros diplomas, a CRP.