quinta-feira, dezembro 18, 2014

Relato

Tenho um chefe.

O chefe chefia, portanto manda.

O chefe mandou, ainda que de forma abstrata, fazer determinado requerimento.

Foi feito.

Começava assim: "A Exequente, tendo tomado da Oposição apresentada (...)".

Como é óbvio, faltava lá uma palavra: "conhecimento".

Fui chamado.

Foi-me dito que o meu Português é imperceptível, que sou distraído, tudo num tom parecido àquele que é usado para escorraçar um cão vadio que tenta raspar o nosso caixote do lixo.

Num fundo, a realidade, sendo brutal, fala comigo por enigmas.

Esqueci-me de escrever "conhecimento". Só pode ser porque tenho falta dele.

O meu Português é imperceptível, daí ter concluído as disciplinas que o ensinam sempre com muita dificuldade.

O tom que é usado comigo é o próprio. Afinal, que sou eu senão um cão vadio à cata de lixo?

Isto só não acabou comigo porque estas crises são cíclicas e não contínuas.

Numa linguagem pueril, o chefe esquece-se que me odeia, durante certos períodos de tempo. Depois lembra-se.

Quando se lembra, a pena por me ter esquecido do "conhecimento" é ser tratado como aquilo que sou e mereço.

Se quero pagar renda, comer, tomar banho e fazer outras coisas que custem dinheiro, tenho que aceitar a minha condição.

De cão.

Que sou.