Tenho um chefe.
O chefe chefia, portanto manda.
O chefe mandou, ainda que de forma abstrata, fazer determinado requerimento.
Foi feito.
Começava assim: "A Exequente, tendo tomado da Oposição apresentada (...)".
Como é óbvio, faltava lá uma palavra: "conhecimento".
Fui chamado.
Foi-me dito que o meu Português é imperceptível, que sou distraído, tudo num tom parecido àquele que é usado para escorraçar um cão vadio que tenta raspar o nosso caixote do lixo.
Num fundo, a realidade, sendo brutal, fala comigo por enigmas.
Esqueci-me de escrever "conhecimento". Só pode ser porque tenho falta dele.
O meu Português é imperceptível, daí ter concluído as disciplinas que o ensinam sempre com muita dificuldade.
O tom que é usado comigo é o próprio. Afinal, que sou eu senão um cão vadio à cata de lixo?
Isto só não acabou comigo porque estas crises são cíclicas e não contínuas.
Numa linguagem pueril, o chefe esquece-se que me odeia, durante certos períodos de tempo. Depois lembra-se.
Quando se lembra, a pena por me ter esquecido do "conhecimento" é ser tratado como aquilo que sou e mereço.
Se quero pagar renda, comer, tomar banho e fazer outras coisas que custem dinheiro, tenho que aceitar a minha condição.
De cão.
Que sou.