Finalmente, as férias.
Independentemente da sua necessidade, do prazer que provocam, da ânsia que geram, as férias são, acima de tudo, uma grande mentira. De resto, das poucas mentiras que o ser humano admite e até roga por viver.
Não sei como são as férias de toda a gente, mas enquadrando-me eu numa faixa económico-social parecida à da classe média e admitindo que é geral, tenho longas horas de exposição reptilar ao sol, refeições com nomes compostos, esquecimento parcial (já lá vamos) do conceito de ordem pública e bons costumes ou mero direito subjectivo, dolce fare niente e, desde há uns anos a esta parte, vigiar com os olhos que tenho e que não tenho uma criança que, hellas, arranjará sempre situações capazes de vingar em romances.
E, então, onde está a mentira?
Meus caros, a vida não é isto. E, meus caros, nem as férias (as minhas, pelo menos) são isto.
Quanto à vida, não conheço os gebos filhos papá todos do mundo, mas até esses, às vezes, hão de contribuir para o PIB. A vida é, acima de tudo, sofrimento. Onde está sol, boa comida, paz e sossego não costuma haver sofrimento. A vida é sacrifício. Nunca vi disso numa praia, ainda que tenha ouvido a respeito de coisas com galinhas à noite e tal. A vida é um processo nada dialéctico, sem sentido ou propósito. Ora, onde há um objectivo de ganhar cor, descansar e passar tempo com a cria, não se pode falar na vida que conhecemos.
No que às férias concerne, uma vez mais digo que não conheço as férias de toda a gente, mas as minhas são passadas, mais vezes do que queria admitir, ao telefone. Curiosamente, todas as chamadas reúnem duas características: 1) começam sempre com "Então, Doutor, já está de férias?" e 2) servem para RIGOROSAMENTE NADA. Vou ser mais explícito: a minha maneira de trabalhar é a seguinte: tenho uma novidade e vou logo contá-la ao cliente. O que quer isto dizer? Que se não ligo...não há novidades. Ora, qual é a segunda pergunta que surge? "Sabe alguma coisa do meu processo?". Não, não sei.
Num verão, uma senhora ligou-me, estando eu em plena praia, a dizer que ia ser despejada. Disse que a Igreja dela ia pagar os meus honorários. Ligou-me umas seis vezes. Enviou mails. Nunca a vi.
Outra vez, ligou-me um fulano, cujo caso estava há muuuuuuiiiiiittoooo resolvido, mas queria saber coisas.... Nunca mais ligou. Deve estar para breve.
E é isto, sempre num mundo, sem sair de outro. A tentar descansar, sem o fazer completamente. A escrever textos com tópicos batidos, mas sem categoria para mais.