sexta-feira, outubro 30, 2020

Problemas femininos

Tenho andando enganado.

Nunca considerei possível um Homem sentir-se enganado. Este preconceito deve ser o último resto de neandertal que me arrendava um pedaço da mente. Acreditei sempre que um Homem se sentia desiludido, apunhalado, mas nunca enganado. Isto porque o engano era uma humilhação suprema, uma confissão de crime, o derradeiro gozo.

Cá estava a vida para me provar o contrário. 

Nas pequenas coisas, associadas ao fenómeno da espuma, mantenho: não há enganos, há desilusões, faltas de compreensão, desatenções. Comprar uma jóia bonita e ser falsa: ignorância. Escolher mal um carro: desilusão. 

O engano está nas grandes questões da vida. No amor, na guerra, na amizade. Pode haver desilusão no amor, claro. Pode haver ignorância quanto à necessidade de guerra., má informação.

Felizmente, quanto ao amor, não tenho de que me queixar.

terça-feira, setembro 22, 2020

Lido por aí

 "Mas quando só se dorme quatro horas não se é sentimental. Vêem-se as coisas como elas são, isto é, vêem-se segundo a justiça, a horrenda e irrisória justiça." 

Duas conclusões emergem.

1.ª: O sono faz falta. Faz-me falta.

2.ª "A vida é como uma corda de tristeza e alegria que saltamos a correr, pé em baixo, pé em cima, até morrer".


O que não vale é deixar de saltar.



quarta-feira, setembro 02, 2020

A lembrar-me de qualquer coisa

É normal ser custoso voltar ao trabalho após férias.

É usual, pelo menos tem sido em mim, estar meio entorpecido.

O que vejo de novo é alguma melancolia depressiva. As férias foram inusitadamente rápidas. Senti os dias a passar a passo de flecha. Via o tempo, quando antes só me lembro de o sentir, como vento. 

Mas senti-me tão bem. Foram, de facto, reparadoras, anti-stress. Talvez pelos locais visitados, talvez pela companhia, tão familiar, senti mínimos históricos de exigência. Consegui isolar o labor e só me lembrar dele agora, que lá voltei.

Mas há aqui uma tristeza com a qual não estou a saber lidar.

sexta-feira, agosto 07, 2020

Contabilidade possível

 Finalmente, as férias.


Independentemente da sua necessidade, do prazer que provocam, da ânsia que geram, as férias são, acima de tudo, uma grande mentira. De resto, das poucas mentiras que o ser humano admite e até roga por viver.

Não sei como são as férias de toda a gente, mas enquadrando-me eu numa faixa económico-social parecida à da classe média e admitindo que é geral, tenho longas horas de exposição reptilar ao sol, refeições com nomes compostos, esquecimento parcial (já lá vamos) do conceito de ordem pública e bons costumes ou mero direito subjectivo, dolce fare niente e, desde há uns anos a esta parte, vigiar com os olhos que tenho e que não tenho uma criança que, hellas, arranjará sempre situações capazes de vingar em romances.

E, então, onde está a mentira?

Meus caros, a vida não é isto. E, meus caros, nem as férias (as minhas, pelo menos) são isto.

Quanto à vida, não conheço os gebos filhos papá todos do mundo, mas até esses, às vezes, hão de contribuir para o PIB. A vida é, acima de tudo, sofrimento. Onde está sol, boa comida, paz e sossego não costuma haver sofrimento. A vida é sacrifício. Nunca vi disso numa praia, ainda que tenha ouvido a respeito de coisas com galinhas à noite e tal. A vida é um processo nada dialéctico, sem sentido ou propósito. Ora, onde há um objectivo de ganhar cor, descansar e passar tempo com a cria, não se pode falar na vida que conhecemos.

No que às férias concerne, uma vez mais digo que não conheço as férias de toda a gente, mas as minhas são passadas, mais vezes do que queria admitir, ao telefone. Curiosamente, todas as chamadas reúnem duas características: 1) começam sempre com "Então, Doutor, já está de férias?" e 2) servem para RIGOROSAMENTE NADA. Vou ser mais explícito: a minha maneira de trabalhar é a seguinte: tenho uma novidade e vou logo contá-la ao cliente. O que quer isto dizer? Que se não ligo...não há novidades. Ora, qual é a segunda pergunta que surge? "Sabe alguma coisa do meu processo?". Não, não sei.

Num verão, uma senhora ligou-me, estando eu em plena praia, a dizer que ia ser despejada. Disse que a Igreja dela ia pagar os meus honorários. Ligou-me umas seis vezes. Enviou mails. Nunca a vi.

Outra vez, ligou-me um fulano, cujo caso estava há muuuuuuiiiiiittoooo resolvido, mas queria saber coisas.... Nunca mais ligou. Deve estar para breve.

E é isto, sempre num mundo, sem sair de outro. A tentar descansar, sem o fazer completamente. A escrever textos com tópicos batidos, mas sem categoria para mais.

sexta-feira, julho 17, 2020

Monumento ao amigo desaparecido

Estava a ouvir a Common People no Spotify. Adoro.
Adiante.
O Spotify tem alguns aspectos que desprezo. Um deles é, estando reunidas algumas condições, escolhe músicas aleatórias, através do algoritmo das nossas preferências.
Quando a "escolha" começou a tocar, fui transportado para dois momentos, um deles com, pelo menos, uma década em cima.
O primeiro e mais velho teve lugar no Nova Tertúlia, ao içar uma caneca, numa noite de especial boa disposição.
O segundo foi passado na primeira casa que arrendei (arrendámos). Queríamos imitar o gesto do primeiro momento e procurávamos a banda sonora.
A tal que o Spotify "escolheu".
Brimful of asha.

O Sérgio Godinho lembra a frase batida. Eu tenho uma outra, igualmente batida, e inferior à dele: a vida acontece. E se, na maioria das vezes, isso é bom, aqui não foi. Como um soldado em campanha, perdeu-se um comparsa.

É errado só por vezes me lembrar dele. Talvez pelo lapso temporal o lamento seja mais efectivo.

Fiz o que deve fazer qualquer cidadão de bem: enviei-lhe mensagem a dizer que é ridícula a distância. Mandei-lhe um abraço.

Nada nunca será o que já foi. São os paliativos a que temos acesso.

quinta-feira, julho 16, 2020

É

Numa Quinta-Feira menos movimentada, tocam à porta. Estava marcada uma reunião para dali a quinze minutos. Antecipou-se.

Chegou.

Sentou-se.

E perguntou: Como é que eu lavo dinheiro?

terça-feira, julho 14, 2020

Maneiras, maneirismos e panegíricos

O calor. Sempre ele.

Ao contrário do que pensaram centenas de Russos (e se calhar bem, sei lá), não é o tempo frio o mais capaz de providenciar por bons raciocínios. O calor de ananases que o pós-pandemia está a trazer-nos tem-me feito pensar. Em coisas. Hoje, uma nova. Partilho. Como se houvesse interesse.

A vida ensina-nos, sobretudo através do erro, a tratar com terceiros. Como ser educado (ter maneiras). O conceito de "ser educado" é muito lato e até deve estar bem documentado. Ora, desse universo de latitude, ocorreu-me hoje como não ser "excessivo".

Ao ouvir a música Delilah, interpretada por Tom Jones, ocorreu-me que, ao conhecer-se um Dalila, a primeira coisa que devemos evitar é perguntar: "Dalila? Como a música do Tom Jones?"

Para os três leitores que aqui passam, isto pode ser evidente. Para mim não é. Ou não era.

A pergunta formulada é ridícula. É evidente que a senhora em causa (imaginei a Dalila Carmo, atriz, única Dalila que vi. A do Sansão só ouvi falar) deveria responder à letra. "Não, Dalila como a música Chupa Teresa do Quim Barreiros".

E com isto dei mais um exemplo: Não se pergunta a uma Teresa se é Teresa como a da música do Quim Barreiros.

Conclusão: canções com nome de gente existem "ao pontapé". Os visados conhecem-nas. Provavelmente estão fartos dela.

Não deixa de ser injusto para aqueles que, como eu, têm um nome pouco musical. Mas a educação é muito. É, mesmo, tudo.

quinta-feira, maio 14, 2020

Jornadas penitenciais a propósito da pandemia: uma delas vertida aqui

A pandemia vetou-me ao isolamento, ou melhor, ao confinamento.

Distantes do mundo, inevitavelmente, colocamos em causa ou confirmamos uma série de realidades que, ocupados devidamente, pouca atenção nos mereceriam.

As redes sociais têm-me proporcionado reflexões com conclusões tristes. Penitencio-me, portanto, por só agora perceber o que vos vou transmitir.

Antes de dizer algo mais, um ponto: não, não sou a favor do seu fim, maior regulação ou imposição de medidas. Está bom como está.

Isto porque as redes sociais são um produto humano, para os humanos e alimentadas pelos humanos.

Em tendo oportunidade, e esta é a primeira conclusão, a maioria dos mamíferos pensantes é um misto de Nuno Rogeiro, Freitas Lobo, Jorge Miranda e um utente da casa de saúde do Telhal.

Ou seja, num comentário é capaz de sintetizar o seguinte, com esta fórmula: "Esta malta (num claro apelo internacionalista, i.e, Nuno Rogeiro) andava a jogar à bola em latas de Canada Dry (Freitas Lobo) e agora querem subsídios de grátis (Jorge Miranda menos a sofisticação linguística)! Anda aqui um gajo a trabalhar que nem um camelo (montador de cozinhas/trolha/oficial de justiça) para virem estes gajos e roubarem-nos a mulheres. Cadeia com eles, pena de morte já! (Utente da casa de saúde do telhal)".

A segunda conclusão é que tudo piora conforme a rede escolhida, da mais para a menos mainstream. No Instagram está tudo bem. O mundo é bonito ali. Vinho, sol, boas formas.  No Facebook, temos a primeira amostragem da síntese supra exposta. Ainda dentro do Facebook, há um caminho descendente: os grupos. Os grupos concatenam gente que vive em caves e vê o sol quando está a chover. As forquilhas estão em promoção e todos têm piras em casa. O twitter é um inferno. Acumulam-se as contas falsas, os extremismos, as ameaças, as calúnias. É mau demais.

E isto são só três das redes existentes.

Passei a consumir mais daquele mundo virtual e sinto-me a mudar. Não quero deixar de conhecer as ideias de quem pensa coisas diferentes das minhas, mas há limites ultrapassados todos os segundos.

A pergunta é: é fraquejar se bloquear?



quinta-feira, maio 07, 2020

Da liquidação audiovisual do grande confinamento

Como referido há uns posts abaixo, estou em casa desde dia 14 de Março, tendo saído, contas actualizadas, cerca de 10 vezes, para três efeitos: trabalho, despejo de resíduos e abastecimento.

Ao contrário do que foi por mim esperado, não tive muito com o que ocupar o tempo, uma vez que sou Pai de um Vasco bem activo e que pede atenção.

Não obstante, consegui (nestes quase dois meses) visualizar duas peças antigas que faltavam ao meu CV audiovisual.

A primeira é o filme Era uma vez na América. Será escusado tecer grandes comentários. Praticamente toda a gente já teve oportunidade de se "degladiar" com a obra maior de Sérgio Leone. É absolutamente excelente. Tem o que, até agora, não vi noutros filmes de idêntico cartel: as personagens têm, todas elas, péssimo carácter. Não há moral, hipótese de redenção, nada: ali, ninguém presta. E, nem sendo essa a sua mais apelativa caracteristica, mesmo assim, é soberbo.

A segunda é a série Twin Peaks. Consegui, finalmente, assistir à série original, de 1990. Estou, agora, a ver a temporada mais recente, a qual apresenta um registo de ritmo, música e até narrativo, algo diferente, mas igualmente ímpar.

Estou, ainda, na recta final de dois livros: The man in the high castle e Dr. Sono. Não é Eça, mas a qualidade está lá. Conto terminá-los esta semana.

O triste de ser culturalmente diminuído é este: o que se perde.

sexta-feira, maio 01, 2020

Falha de carácter

Encontro-me com 34 anos de idade. Uma vez que creio não ir viver outros 34, considerei que tinha adquirido uma maturidade suficientemente consistente para o período remanescente da vida futura.
Percebo que não. Não passei ainda pela fase mais difícil da vida adulta. Sempre o soube, mas esqueci-me.
O meu Pai encontra-se hospitalizado. Está com dores (felizmente, neste momento, mais controlado), mas todo o processo que o levou, desde a crise, até ao tratamento hospitalar foi difícil de aceitar. Não me vou demorar com detalhes, mas posso resumir em duas frases: quando entra no hospital, o único caminho era a operação, tanto que foi obrigado a repetir um teste à COVID-19, quando, no dia anterior, tinha sido testado com resultado negativo. Hoje, estabilizado, vai ter alta, "porque pode haver casos mais urgentes".
Isto mexeu comigo de uma maneira que não pensei.
Fisicamente, subiu-me a temperatura (não tenho febre).
Socialmente, consegui irritar-me seriamente com a minha irmã e com um amigo.
Com a minha irmã foi mais inesperado. Dei por mim a gritar, qual interdito, minto, maior acompanhado.
Com o amigo foi algo mais, digamos, consequencial. Acho que encerrei uma relação de amizade com alguns anos. Espero que se mantenha o respeito mútuo.
Friamente, vejo que falhei.
É inevitável associar estes comportamentos a uma situação de stress, ao sofrimento do meu pai. Num outro dia qualquer, isto não acontecia.
Mas isto não é ser gente. Isto é falhar em situações de pressão.
Volto ao que aqui escrevi há alguns anos: a minha vocação é para mendigo, sem-abrigo ou coisa parecida. Algo sem responsabilidades, sem ligações, eternamente mau.

segunda-feira, abril 20, 2020

Pistas


Li, há instantes, que esta cena (certamente munida de múltiplos significados) tem uma interpretação "reconfortante" para o protagonista: o que vemos depois (cronologicamente no filme) dela é um produto do produto...que ele está a fumar.


Ad perpetuam rei memoriam

SARS-COV-2
COVID-19.

Em casa desde 14 de Março de 2020. Saí, que me lembre, 6 vezes.

Registe-se.

sexta-feira, janeiro 31, 2020

Das coisas que nunca me tinha acontecido

Atrás do meu escritório, um pouco antes de chegar ao serviço de CTT, um velhinho urinava no meio da rua.
Vi-o de longe.
Mudei de direcção.
Inevitavelmente, e porque precisava de ir ao dito serviço, tive de me aproximar, ainda se sacudia a mais valia.

Disse-me bom dia, enquanto apanhava os alhos e um saco que tinha colocado no chão para concretizar o serviço.

A primeira sensação foi de algum repúdio. A segunda foi de aceitação. Um dia, poderei ser eu. Quem sabe?

Nunca me tinha acontecido.

quarta-feira, janeiro 29, 2020

Apontamentos profissionais

Quis a vida que a minha prática profissional se cruzasse com algo que podia ser uma história de Jornal da Noite da SIC: uma regulação de responsabilidades parentais de uma menor em que o Pai está em Paredes de Coura e a Mãe em Almada. Afinal, com quem viverá a menina?
Represento a Mãe.
Este processo "caiu-me", no âmbito do acesso ao direito (vulgo oficiosas), ao fim de duas escusas prévias, ambas por motivos próprios e em nada relacionados com a personalidade da Mãe.
Depois de duas sessões de julgamento, entendeu a Meritíssima  ouvir a menor: uma criança de sete anos.
Passada uma hora de audição, numa sala em que está a menor, Juiz e Procurador, são convidados a entrar os mandatários e as partes, sendo protegida a menina, que é encaminhada para a assistente social.
"A menina tomou uma decisão" - Disse a Juíza - "Foi muito clara. Ela quer ficar com o Pai".
O que se segue são jogos de lágrimas, revoltas. É que, se tal não bastasse, foi dito: "Mas podemos experimentar: concedemos a guarda provisória ao Pai até julho e se correr bem, fica, se correr mal altera-se".
Mais se passou, mas este resumo, que usarei para memória futura, bem basta.

Convidado, compulsivamente, pela Meritíssima a acompanhar a Mãe, de forma a acalmá-la, e de lhe ter oferecido um café, voltámos ao contacto com a criança.

"Mãe, estiveste a chorar."

quarta-feira, janeiro 15, 2020

DC 2020

Lembrei-me.

Passaram vários anos sem que consultasse um dermatologista. Padeço de psoríase e vitíligo. Há uns anos, em Porto Covo, consegui "limpar" as manchas que o meu corpo alberga. Pensei que o sol trataria do assunto todos os anos. Nada mais errado. Foram aparecendo, colonizando.
Graças à insistência da minha esposa, lá fui ao médico.

Ao acordar, e antes da consulta, fui informado (primeiro por ela e depois pela visualização no telemóvel)  de que me acusam de ter uma casa de banho potente ao ponto de causar infiltrações não em um, mas dois andares abaixo do meu.
Dizia o e-mail da notificação, que tinham ido bater à minha porta às 23 horas para me dar conta da hipótese ser eu o causador do dilúvio. Nem ouvi.

A existência que me carrega (e eu sou carregado por ela, sem dúvida) nunca deixa de me brindar com manchas. Ora na pele, ora em paredes alheias.

Não sei como vou reagir às pomadas receitadas, nem sei se tenho seguro que possibilite que não me apresente à insolvência com as reparações que poderei ter que fazer. Viver um dia de cada vez é isto. É mau. É penoso. Porque, aparentemente, o conceito de descanso é meramente teórico. Uma ideia.

Não existe a paz.

E o ano começa assim. Responsabilizando-me pelo meu cuidado cutâneo. Sendo-me imputado o escorrimento de águas.

Não haja dúvidas de que terei saudades de 2019.