terça-feira, novembro 06, 2007

Espuma dos Dias

No dia em que atinge a maioridade, sai de casa. Não é um sair definitivo. Quer sair com os amigos. Perceber o que acontece ao corpo depois de ingerir álcool a mais, ter experiências que o "farão adulto".
O Jantar da praxe é com a família. Próxima, afastada, 3º grau, 12º grau. Todos se sentam numa mesa longa, castanha, endurecida com os anos que passou a aguentar a loiça dos seus proprietários. Senta-se à ponta, hoje é ele o chefe da casa. O sorriso é de circunstância. Vem o cabrito, acompanhado de uns goles de vinho, servidos a propósito da ocasião. Termina com a sobremesa e bolo de anos, devidamente guarnecido com um gigante e sonoro "Parabéns a Você".


São 3h da manhã. Em Santos, convive com o melhor amigo e namorada do mesmo. O bar é pequeno, mas muito acolhedor. Conseguiu lá chegar por boleia. O carro era dela, a loira que acompanhava o seu compincha. Vale a pena falar dela: não era alta, mediria, se lá chegasse, 1.60m. Os olhos eram claros, a pele também. Trajava de verde, habitualmente. Naquela noite, estava de branco. Sem ser estonteante, qualquer homem que entrasse no bar não podia deixar de reparar nela. Tinha 31 anos.
Os shots estavam em saldos: 1 euro, cada um. Depois de voarem 3 laranjas, mal se aguentava de pé. O bar, antes acolhedor, era agora um buraco negro, em que cada coluna dançava uma espécie de dança do ventre, onde cada copo lançava um sorriso sinistro. Nunca lhe tinha acontecido, mas estava a acontecer.
A testa testa a lei da gravidade, e, antes de saber se tinha álcool no sangue, ou sangue no álcool, cai redonda no balcão. Ouvem-se risos.
São 5h da manhã. Estava a dormir na calçada. Da loira e do amigo não havia notícia. Na carteira, só mesmo o bilhete de identidade. Não tinha como seguir para casa.
Resolveu caminhar até à baixa. Nunca tinha estado em Lisboa em hora semelhante. Tudo bem, era segunda-feira, dia de aulas, sabia que havia cara pálidas às 8 horas, mas quando era suposto estar a dormir o 2º sono, não pensava, sequer, em raça humana.
Parou no Cais do Sodré para ver o rio.


12 anos mais tarde, com o estado civil do B.I alterado, contava isso ao seu amigo de sempre, aquele que o tinha deixado a repousar sobre a pedra calcetada.
História contada e recontada ao longo dos anos.
O pormenor, todavia, que para sempre fora ocultado permanecia um mistério: como tinha chegado a casa?


Depois do bagaço, que se tinha tornado ritual em dias de anos, e do café, naquela eterna tasca em Estremoz, perguntou:
- "Que é feito da loira?"