quinta-feira, setembro 15, 2022

O Segundo Dia

 ...Porque, no primeiro, não me coube a tarefa.

Desço a escada e, como se Deus existisse e a sua única missão fosse punir-me porque Nele não creio, abate-se uma monumental carga de água com uma pressão que só podia desejar que existisse no meu chuveiro domiciliar.

Sem casaco, sem chapéu de chuva, a muito custo tento acomodá-lo no carro e protegê-lo na intempérie. Sendo bem sucedido, não deixo de emitir um sonoro berro por razões fúteis, como é ter acabado de "desfrutar" de um novo duche.

O caminho faz-se sem sobressaltos. Uns quantos automóveis mas nada que obste ao percurso mais ou menos célere. Esperar por mais é ter a vã esperança que o trânsito está sujeito às regras de qualquer doutrina Marxista.

Ao chegar, o espírito dele está inquebrável. Bem disposto, brincalhão, tudo o que sempre foi e é.

Encaminho-o para o portão, onde é recebido por uma simpática funcionária. Mais meninos o acompanham.

Foi aqui que me perdi.

O volume de transeuntes impede-me de ficar naquele portão. Havia que dar lugar aos demais, iguais em direitos, para que tivessem o mesmo destino no meu.

Um pouco mais à frente, por uma nesga das grades que separam o estabelecimento da rua, vejo-o. Olhava para os lados, seguindo um carreiro que julgava ser o seu (e quem sabe seria) até à sala de aula.

Voltei a perder-me.

Aquele olhar em volta diminuiu-me. Encheu-me de problematizações, conjeturas, enfim, de uma tristeza que só me lembro de sentir em fases más da vida.

A verdade é que, com o passar dos anos, vejo ali muito de mim, verdadeiramente, uma parte de mim. Mas não uma parte qualquer: trata-se da melhor parte. O que gostaria de ter sido. 

Não me chegam os "vai correr bem", "todas as crianças andaram na escola" ou "todos os pais passam por isso".

De forma franca o escrevo: não me interessa.

Vejo a vida a correr, sempre com a pressa da existência e constato que a história me ultrapassa, sem que tenha hipótese de fazer mais por ele. O sentimento de fracasso é-me inevitável. 

Olhando para o lado, o sol está a tentar romper por um par de nuvens. Metáfora?

Obviamente que não.