A pandemia vetou-me ao isolamento, ou melhor, ao confinamento.
Distantes do mundo, inevitavelmente, colocamos em causa ou confirmamos uma série de realidades que, ocupados devidamente, pouca atenção nos mereceriam.
As redes sociais têm-me proporcionado reflexões com conclusões tristes. Penitencio-me, portanto, por só agora perceber o que vos vou transmitir.
Antes de dizer algo mais, um ponto: não, não sou a favor do seu fim, maior regulação ou imposição de medidas. Está bom como está.
Isto porque as redes sociais são um produto humano, para os humanos e alimentadas pelos humanos.
Em tendo oportunidade, e esta é a primeira conclusão, a maioria dos mamíferos pensantes é um misto de Nuno Rogeiro, Freitas Lobo, Jorge Miranda e um utente da casa de saúde do Telhal.
Ou seja, num comentário é capaz de sintetizar o seguinte, com esta fórmula: "Esta malta (num claro apelo internacionalista, i.e, Nuno Rogeiro) andava a jogar à bola em latas de Canada Dry (Freitas Lobo) e agora querem subsídios de grátis (Jorge Miranda menos a sofisticação linguística)! Anda aqui um gajo a trabalhar que nem um camelo (montador de cozinhas/trolha/oficial de justiça) para virem estes gajos e roubarem-nos a mulheres. Cadeia com eles, pena de morte já! (Utente da casa de saúde do telhal)".
A segunda conclusão é que tudo piora conforme a rede escolhida, da mais para a menos mainstream. No Instagram está tudo bem. O mundo é bonito ali. Vinho, sol, boas formas. No Facebook, temos a primeira amostragem da síntese supra exposta. Ainda dentro do Facebook, há um caminho descendente: os grupos. Os grupos concatenam gente que vive em caves e vê o sol quando está a chover. As forquilhas estão em promoção e todos têm piras em casa. O twitter é um inferno. Acumulam-se as contas falsas, os extremismos, as ameaças, as calúnias. É mau demais.
E isto são só três das redes existentes.
Passei a consumir mais daquele mundo virtual e sinto-me a mudar. Não quero deixar de conhecer as ideias de quem pensa coisas diferentes das minhas, mas há limites ultrapassados todos os segundos.
A pergunta é: é fraquejar se bloquear?
quinta-feira, maio 14, 2020
quinta-feira, maio 07, 2020
Da liquidação audiovisual do grande confinamento
Como referido há uns posts abaixo, estou em casa desde dia 14 de Março, tendo saído, contas actualizadas, cerca de 10 vezes, para três efeitos: trabalho, despejo de resíduos e abastecimento.
Ao contrário do que foi por mim esperado, não tive muito com o que ocupar o tempo, uma vez que sou Pai de um Vasco bem activo e que pede atenção.
Não obstante, consegui (nestes quase dois meses) visualizar duas peças antigas que faltavam ao meu CV audiovisual.
A primeira é o filme Era uma vez na América. Será escusado tecer grandes comentários. Praticamente toda a gente já teve oportunidade de se "degladiar" com a obra maior de Sérgio Leone. É absolutamente excelente. Tem o que, até agora, não vi noutros filmes de idêntico cartel: as personagens têm, todas elas, péssimo carácter. Não há moral, hipótese de redenção, nada: ali, ninguém presta. E, nem sendo essa a sua mais apelativa caracteristica, mesmo assim, é soberbo.
A segunda é a série Twin Peaks. Consegui, finalmente, assistir à série original, de 1990. Estou, agora, a ver a temporada mais recente, a qual apresenta um registo de ritmo, música e até narrativo, algo diferente, mas igualmente ímpar.
Estou, ainda, na recta final de dois livros: The man in the high castle e Dr. Sono. Não é Eça, mas a qualidade está lá. Conto terminá-los esta semana.
O triste de ser culturalmente diminuído é este: o que se perde.
Ao contrário do que foi por mim esperado, não tive muito com o que ocupar o tempo, uma vez que sou Pai de um Vasco bem activo e que pede atenção.
Não obstante, consegui (nestes quase dois meses) visualizar duas peças antigas que faltavam ao meu CV audiovisual.
A primeira é o filme Era uma vez na América. Será escusado tecer grandes comentários. Praticamente toda a gente já teve oportunidade de se "degladiar" com a obra maior de Sérgio Leone. É absolutamente excelente. Tem o que, até agora, não vi noutros filmes de idêntico cartel: as personagens têm, todas elas, péssimo carácter. Não há moral, hipótese de redenção, nada: ali, ninguém presta. E, nem sendo essa a sua mais apelativa caracteristica, mesmo assim, é soberbo.
A segunda é a série Twin Peaks. Consegui, finalmente, assistir à série original, de 1990. Estou, agora, a ver a temporada mais recente, a qual apresenta um registo de ritmo, música e até narrativo, algo diferente, mas igualmente ímpar.
Estou, ainda, na recta final de dois livros: The man in the high castle e Dr. Sono. Não é Eça, mas a qualidade está lá. Conto terminá-los esta semana.
O triste de ser culturalmente diminuído é este: o que se perde.
sexta-feira, maio 01, 2020
Falha de carácter
Encontro-me com 34 anos de idade. Uma vez que creio não ir viver outros 34, considerei que tinha adquirido uma maturidade suficientemente consistente para o período remanescente da vida futura.
Percebo que não. Não passei ainda pela fase mais difícil da vida adulta. Sempre o soube, mas esqueci-me.
O meu Pai encontra-se hospitalizado. Está com dores (felizmente, neste momento, mais controlado), mas todo o processo que o levou, desde a crise, até ao tratamento hospitalar foi difícil de aceitar. Não me vou demorar com detalhes, mas posso resumir em duas frases: quando entra no hospital, o único caminho era a operação, tanto que foi obrigado a repetir um teste à COVID-19, quando, no dia anterior, tinha sido testado com resultado negativo. Hoje, estabilizado, vai ter alta, "porque pode haver casos mais urgentes".
Isto mexeu comigo de uma maneira que não pensei.
Fisicamente, subiu-me a temperatura (não tenho febre).
Socialmente, consegui irritar-me seriamente com a minha irmã e com um amigo.
Com a minha irmã foi mais inesperado. Dei por mim a gritar, qual interdito, minto, maior acompanhado.
Com o amigo foi algo mais, digamos, consequencial. Acho que encerrei uma relação de amizade com alguns anos. Espero que se mantenha o respeito mútuo.
Friamente, vejo que falhei.
É inevitável associar estes comportamentos a uma situação de stress, ao sofrimento do meu pai. Num outro dia qualquer, isto não acontecia.
Mas isto não é ser gente. Isto é falhar em situações de pressão.
Volto ao que aqui escrevi há alguns anos: a minha vocação é para mendigo, sem-abrigo ou coisa parecida. Algo sem responsabilidades, sem ligações, eternamente mau.
Percebo que não. Não passei ainda pela fase mais difícil da vida adulta. Sempre o soube, mas esqueci-me.
O meu Pai encontra-se hospitalizado. Está com dores (felizmente, neste momento, mais controlado), mas todo o processo que o levou, desde a crise, até ao tratamento hospitalar foi difícil de aceitar. Não me vou demorar com detalhes, mas posso resumir em duas frases: quando entra no hospital, o único caminho era a operação, tanto que foi obrigado a repetir um teste à COVID-19, quando, no dia anterior, tinha sido testado com resultado negativo. Hoje, estabilizado, vai ter alta, "porque pode haver casos mais urgentes".
Isto mexeu comigo de uma maneira que não pensei.
Fisicamente, subiu-me a temperatura (não tenho febre).
Socialmente, consegui irritar-me seriamente com a minha irmã e com um amigo.
Com a minha irmã foi mais inesperado. Dei por mim a gritar, qual interdito, minto, maior acompanhado.
Com o amigo foi algo mais, digamos, consequencial. Acho que encerrei uma relação de amizade com alguns anos. Espero que se mantenha o respeito mútuo.
Friamente, vejo que falhei.
É inevitável associar estes comportamentos a uma situação de stress, ao sofrimento do meu pai. Num outro dia qualquer, isto não acontecia.
Mas isto não é ser gente. Isto é falhar em situações de pressão.
Volto ao que aqui escrevi há alguns anos: a minha vocação é para mendigo, sem-abrigo ou coisa parecida. Algo sem responsabilidades, sem ligações, eternamente mau.
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