O homem não acreditava, o homem queria ouvir.
Queria ouvir da Juíza, queria que fosse aquela entidade mais alta a confirmar que aquilo que tanto sono lhe tirou estava resolvido.
O homem conteve-se. Conteve-se tanto. Queria gritar, partir, fazer sentir a sua presença.
O homem queria, o homem teve.
Hoje, divorciou-se.
Não há como não lembrar Júlio Igrejas. Não pelo repertório, mas porque tem este tema, emblemático da dor de corno, no seu álbum Divórcio.
quarta-feira, fevereiro 28, 2018
quinta-feira, fevereiro 22, 2018
Soldador
O suor de um soldador é imperscrutável.
Aquele, em particular, de tudo fez para que nada faltasse em casa.
Cedo se juntou com aquela que seria sua mulher. Casaram num dia bonito, naqueles em que a chuva está de binóculos, lá longe.
Ela queria estudar, mas foi sempre vontade dele trabalhar. Assim foi. Na Bélgica, Holanda ou na Lisnave fazia horas extraordinárias para que aquela côdea viesse calhar-lhe ao bolso e fosse possível remeter para o lar mais uns euros.
Tiveram filhos. Tiveram casa.
Ela deixou de estudar. A rotina que a ocupava deu lugar a longas temporadas de clausura. Ele saía e entrava. Ela ficava. Ele ganhava e partilhava, ela só contemplava.
Não havendo quem mais culpar, tornou-o bode da sua ira. Aquele que amou era, agora, um iogurte estragado, um prado ardido, um chão que já tinha dado uvas. Já chegava daquilo.
Iniciou-se o processo de repulsa, esse estranho fenómeno, composto por tantas camadas quanto a mais ácida das cebolas. Primeiro, deixou de lhe dirigir mais que uns monossílabos. Depois, fechou-se inteiramente, já não lhe pertencendo.
Ele sabia pouco. Sabia de menos. Anos de reparação de navios haviam expurgado o senso do correcto. Só havia o dever, estando esquecido o humano que em todos devia habitar.
Numa noite, forçou. Não, todavia, como qualquer escroque. Quis o que ela não lhe queria dar.
Errou profundamente. Errou para lá do perdoável.
Foi detido. Foi preso.
Passaram-se meses. Dos filhos só chamadas. Um com 10 anos e outra com meses passaram a ver o pai como um fantasma. Sem saberem o que tinha sucedido, só restava esperar pelo dia em que o voltariam a ver.
Ela não foi lenta a reagir.
Rapidamente pediu o divórcio e a guarda total dos filhos.
Ele continuou a pagar o erro profundo, o tal para lá de perdoável.
Já depois de belos meses dedicados ao presídio, foi notificado. Deveria comparecer no Tribunal para uma conferência de pais.
Ao dia e hora, lá estava. Estaria sempre. Muda o facto de a escolta ser substancialmente superior.
Cedeu em tudo. Guarda, residência, alimentos...que havia de fazer?
Lavrada a acta, sem pedir licença, dirigiu-se ao juiz:
- Posso ver o meu filho hoje?
Como é certinho na escória que habita e parasita o sistema prisional português, a resposta veio, à velocidade da luz, de um guarda que ali estava:
- Não temos ordens para isso!
Havia, contudo, um Juiz e Procurador naquela sala. Como colocasse aquele traste fardado no lugar, ordenou, simplesmente, que a funcionária trouxesse o menino.
- Estás tão grande, disse ele
Seguiu-se o abraço mais breve e emocionado a que tive oportunidade de assistir.
Quase 5 meses separaram o pai do seu filho. Não porque era mau pai, muito menos porque merecesse esse castigo suplementar.
Portando-se como se fosse dona dos filhos, como o é de facto da sua vida, ela não quis aquela reunião. E disse-o.
Ele voltou para os calabouços. Despedi-me dele como sempre: tenha força.
Naquele dia, o Juiz ouviu aquele rapaz que se agarrou ao pai com lágrimas nos olhos, toldado pela saudade. Das suas declarações resultou a vontade inequívoca de visitar o pai na prisão. A mais nova? Nem os magistrados nem ela foram de parecer que o encontro se concretizasse.
Porque, a bem da verdade, os filhos são propriedade do sistema de justiça e das mães.
Ou assim se pensa.
Aquele, em particular, de tudo fez para que nada faltasse em casa.
Cedo se juntou com aquela que seria sua mulher. Casaram num dia bonito, naqueles em que a chuva está de binóculos, lá longe.
Ela queria estudar, mas foi sempre vontade dele trabalhar. Assim foi. Na Bélgica, Holanda ou na Lisnave fazia horas extraordinárias para que aquela côdea viesse calhar-lhe ao bolso e fosse possível remeter para o lar mais uns euros.
Tiveram filhos. Tiveram casa.
Ela deixou de estudar. A rotina que a ocupava deu lugar a longas temporadas de clausura. Ele saía e entrava. Ela ficava. Ele ganhava e partilhava, ela só contemplava.
Não havendo quem mais culpar, tornou-o bode da sua ira. Aquele que amou era, agora, um iogurte estragado, um prado ardido, um chão que já tinha dado uvas. Já chegava daquilo.
Iniciou-se o processo de repulsa, esse estranho fenómeno, composto por tantas camadas quanto a mais ácida das cebolas. Primeiro, deixou de lhe dirigir mais que uns monossílabos. Depois, fechou-se inteiramente, já não lhe pertencendo.
Ele sabia pouco. Sabia de menos. Anos de reparação de navios haviam expurgado o senso do correcto. Só havia o dever, estando esquecido o humano que em todos devia habitar.
Numa noite, forçou. Não, todavia, como qualquer escroque. Quis o que ela não lhe queria dar.
Errou profundamente. Errou para lá do perdoável.
Foi detido. Foi preso.
Passaram-se meses. Dos filhos só chamadas. Um com 10 anos e outra com meses passaram a ver o pai como um fantasma. Sem saberem o que tinha sucedido, só restava esperar pelo dia em que o voltariam a ver.
Ela não foi lenta a reagir.
Rapidamente pediu o divórcio e a guarda total dos filhos.
Ele continuou a pagar o erro profundo, o tal para lá de perdoável.
Já depois de belos meses dedicados ao presídio, foi notificado. Deveria comparecer no Tribunal para uma conferência de pais.
Ao dia e hora, lá estava. Estaria sempre. Muda o facto de a escolta ser substancialmente superior.
Cedeu em tudo. Guarda, residência, alimentos...que havia de fazer?
Lavrada a acta, sem pedir licença, dirigiu-se ao juiz:
- Posso ver o meu filho hoje?
Como é certinho na escória que habita e parasita o sistema prisional português, a resposta veio, à velocidade da luz, de um guarda que ali estava:
- Não temos ordens para isso!
Havia, contudo, um Juiz e Procurador naquela sala. Como colocasse aquele traste fardado no lugar, ordenou, simplesmente, que a funcionária trouxesse o menino.
- Estás tão grande, disse ele
Seguiu-se o abraço mais breve e emocionado a que tive oportunidade de assistir.
Quase 5 meses separaram o pai do seu filho. Não porque era mau pai, muito menos porque merecesse esse castigo suplementar.
Portando-se como se fosse dona dos filhos, como o é de facto da sua vida, ela não quis aquela reunião. E disse-o.
Ele voltou para os calabouços. Despedi-me dele como sempre: tenha força.
Naquele dia, o Juiz ouviu aquele rapaz que se agarrou ao pai com lágrimas nos olhos, toldado pela saudade. Das suas declarações resultou a vontade inequívoca de visitar o pai na prisão. A mais nova? Nem os magistrados nem ela foram de parecer que o encontro se concretizasse.
Porque, a bem da verdade, os filhos são propriedade do sistema de justiça e das mães.
Ou assim se pensa.
segunda-feira, fevereiro 12, 2018
Casseta & Planeta - Eu To Tristão
No início desta semana de Carnaval, um Samba.
Não um samba qualquer. Uma biografia. Uma ode. Uma história de vida.
Como já referi numa outra rede social, se antes procurei uma música que me fizesse justiça, essa busca terminou. Está cá tudo.
Assim, temos uma espécie de Marcha Fúnebre com trio eléctrico. Um requiem com D.J.
Deixo a letra, de forma a que se apreenda a subtileza.
Olha o Planeta aí, gente!
Olha a Casseta aí, gente!
Olha a Polícia aí, gente!!!!!!!!
Eu tô tristão, tô sofrendo pra caralho.
Eu me fudi, sou carta fora do baralho.
Mas quem mandou... quem mandou nascer babaca
Ela não quis, e eu fui sozinho pro Maraca
Aos 2 minutos, o Zicão saiu de maca
E lá em casa Ricardão fez gol de placa
Eu tô tristão, tô sofrendo pra caralho.
Eu me fudi, sou carta fora do baralho.
Marquei com ela um cinema e um chopinho
Botei a beca, fiquei todo mauricinho
Levei um bolo, mas já tô acostumando
Um dia é Pedro, outro é Luis, outro é Fernando
Eu tô tristão, tô sofrendo pra caralho.
Eu me fudi, sou carta fora do baralho.
Sou muito chato, eu sou meio mais ou menos
E além de burro, ainda tenho o pau pequeno
Eu sou um merda, um zé-mané, um zero à esquerda
Se eu morrer, ninguém vai sentir a perda
Eu tô tristão, tô sofrendo pra caralho.
Eu me fudi, sou carta fora do baralho.
Não um samba qualquer. Uma biografia. Uma ode. Uma história de vida.
Como já referi numa outra rede social, se antes procurei uma música que me fizesse justiça, essa busca terminou. Está cá tudo.
Assim, temos uma espécie de Marcha Fúnebre com trio eléctrico. Um requiem com D.J.
Deixo a letra, de forma a que se apreenda a subtileza.
Olha o Planeta aí, gente!
Olha a Casseta aí, gente!
Olha a Polícia aí, gente!!!!!!!!
Eu tô tristão, tô sofrendo pra caralho.
Eu me fudi, sou carta fora do baralho.
Mas quem mandou... quem mandou nascer babaca
Ela não quis, e eu fui sozinho pro Maraca
Aos 2 minutos, o Zicão saiu de maca
E lá em casa Ricardão fez gol de placa
Eu tô tristão, tô sofrendo pra caralho.
Eu me fudi, sou carta fora do baralho.
Marquei com ela um cinema e um chopinho
Botei a beca, fiquei todo mauricinho
Levei um bolo, mas já tô acostumando
Um dia é Pedro, outro é Luis, outro é Fernando
Eu tô tristão, tô sofrendo pra caralho.
Eu me fudi, sou carta fora do baralho.
Sou muito chato, eu sou meio mais ou menos
E além de burro, ainda tenho o pau pequeno
Eu sou um merda, um zé-mané, um zero à esquerda
Se eu morrer, ninguém vai sentir a perda
Eu tô tristão, tô sofrendo pra caralho.
Eu me fudi, sou carta fora do baralho.
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