Aqui há dias, fui à Fnac numa ótica de prospeção de mercado. Tendo a considerar importante perceber o que há de novo, ainda que em mim exista a tentação do clássico.
Depois de alguns minutos de pesquisas (sim, meros minutos) dei por mim a ler, talvez, o livro que mais gozo me deu ler nos últimos anos: "O Estrangeiro", de Camus. Não estou a falar da obra original, mas da feliz adaptação para banda desenhada.
Em mim cresceu a óbvia e eterna esperança na humanidade, uma vez que ainda não conhecia a possibilidade (a mera possibilidade) de adaptar grandes clássicos à B.D.
Ali fiquei, pouco mais do que uma hora, a rejubilar. Boas ilustrações, a essência da obra apanhada. Enfim, estava conseguido um objectivo.
Naturalmente, voltou a mim uma história que conhecia. Lembro-me de a ler nos idos de 2005. Falhavam pormenores que foram colmatados.
"O Estrangeiro" tem, para mim, um problema: não sei se o interpreto como deve ser interpretado. A mim, lembra-me a vida como ela é. Depois de um acontecimento trágico, por meios que são insondáveis, a vida traz sempre uma série de acontecimentos inexplicáveis, ainda que pareçam corolário da mais elementar fluidez. Recordo alguns episódios da minha vida em que assim sucedeu. O povo (essa entidade superior, e olhem que não é ironia) chama a isto "estar na mó de baixo". Àquele desgraçado, morre a mãe, mete-se com quem não deve, comete um facto típico, ilícito, culposo e punível e vai preso. Não vou estragar o final a quem não leu. O importante disto é o "como", sem haver tanta necessidade de um "porquê". (Para a obra, o "porquê" e conclusões são importantes, ou não. Depende.)
E o "como" levou-me, inexoravelmente, a Manoel de Oliveira. Manoel de Oliveira disse, há meses, uma frase que é lapidar e resume a existência: "a vida é uma derrota".
A vida foi uma derrota para Mersault (Protagonista da obra a que me referi supra). A vida é uma derrota para Manoel de Oliveira. Para quantos mais não foi?
A falta de horizontes, sejam nossos, seja daqueles que nos rodeiam. A falta de compaixão. A falta de sucesso.
E tão relativo que é o sucesso.
Os Xutos (a banda), disseram o mesmo, no "Homem do Leme".
Não vi todos os filmes do chamado "Mestre". Não terei visto metade. Vi alguns. Sabia que estava ali uma alterantiva ao cinema-efeitos-especiais, ao blockbuster. Estava ali um sentido de estética que apreciava. Um ritmo que gostava de ver impresso. Uma forma de ver a arte. Havia diferença. Sobretudo, havia qualidade.
E tanta "porrada" levava Manoel de Oliveira. Das "secas" ao "desinteressante", passando pelo "velho" ao "visto".
Não haja dúvida: fez o que quis. Terá feito como quis? Sempre que quis?
Em resposta à sua arte sempre existiram os inevitáveis antagonistas. A condenação aconteceu.
Agora, morre. Deixando legando. Vivendo nos seus filmes. Fazendo ecoar o nome.
Mas morre.
Porque é inevitável. Dando sentido à vida, claro, mas não resistindo à inevitabilidade.
Acima de tudo, e é este o ponto, creio que o mundo não lhe foi indiferente. Creio, até, no contrário.
Só por isso, ganhou.