terça-feira, maio 18, 2021
quarta-feira, março 31, 2021
Problemas de colocação - Na primeira pessoa, o que dá um ar pouco interessante
Um magistral livro que li há poucos meses começava com a seguinte frase: "Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: é o suicídio".
Embora poderoso, é um slogan que não acompanho.
Nas passadas semanas (e isto é em mim extremamente recorrente) dei por mim a questionar o meu papel na existência. Afinal, o que sou é o que deveria sempre ter sido? Existe esse determinismo? Poderia ser mais realizado, ou está atingido o máximo? Fico bem com a profissão que tenho, ou claramente não poderia exercer?
O olhar que deito em mim não terá um respaldo social, isto é, quando faço estas perguntas não respondo pela bitola de um leigo, mas por critérios objectivos.
E objectivamente só alcancei relativo sucesso (e relativo é hiperbólico) nas funções sociais básicas, como ser marido, eventualmente filho e ainda especulo sobre o meu papel de pai.
Respeito a minha mulher e nunca faria algo que a magoasse. Quanto aos meus pais, apesar do péssimo feitio e contradições insanáveis diárias que trago na mala, acredito mesmo que podiam ter um filho pior que eu. E não têm.
Mas, e tudo o resto?
Vejo gente saciada, capaz de viver bem na sua pele e esse não é, manifestamente, o meu caso.
Creio que o meu lugar no mundo ainda não é conhecido. Pelo menos por mim. Pode ser que esteja errado e até ao dia de picar o ponto esteja na mesma, com esta problemática em boomerang, indo e vindo, vindo e indo.
Mas não me vejo competente. Não me tenho por capaz. Lamentavelmente, por falta de uma pluralidade de factores, nunca mudei o rumo. Por aqui segui.
Com esta interrogação, vem outra. Como serei capaz de lidar com a minha insignificância?
Tenho constatado que a maioria da humanidade deixou de pensar no seu contributo e exposição. Subitamente, aparecem pessoas que pensam poder influenciar outras, seja no aspecto capitalista ou mercantilista do tema, seja por acções. Pessoas que convencem outras a agir de determinada forma. Quanto a essas, não há assunto, isto é, está tratada a questão. Não são insignificantes, pelo contrário, agem todos os dias na influência, na capacidade de mudar, coisas ou pessoas, realidades e por aí fora.
Fora de um núcleo que se pode resumir a pouco mais de uma dezena de pessoas, desapareço. Não deixo marca no mundo, serei esquecível.
Será isto um problema? Pelos vistos, para mim, é. Nunca contei ser tão dispensável, tão desprezível.
Sonhei ser um profissional respeitado e competente. Falhei. Quis fazer a diferença na minha profissão. Só igual a tantos.
Sem ter algo que me distinga, algo que me traga, então, o respeito e competência, fiquei na mediania. E está aí um problema filosófico interessante: o que fazer com a mediania e a quem se situa abaixo dela?
quarta-feira, janeiro 20, 2021
Portugal e uma bica
Voltámos ao confinamento.
Não havendo elemento volitivo para abordar o tema, há um aspecto que me mereceu reflexão e que se liga ao estado a que chegámos.
A partir de hoje (e sabe-se lá até quando) os estabelecimentos comerciais não podem vender bebidas ao postigo e, caso vendam comida, a mesma não pode ser consumida ali à porta.
Uma amiga minha levantava esta singularidade no whatsapp e razão tinha ela.
Habituados que estamos a ver, no cinema anglo-saxónico, aqueles baldes de café, que são sempre "to go", em Portugal consome-se uma espécie de cartuxo de caçadeira oco, recheado daquele ouro negro. E o café nunca é "to go". O Café é sempre o café e qualquer coisa. O Café e a conversa. O Café e a contemplação do redor. O Café e a sua degustação calma e tranquila. Beber café a andar é uma negação para nós.
O animal social que por estas bandas habita é curioso a níveis do impensável. Não tenho a certeza do que digo, mas se algum país remeteu as vendas de bebidas e comidas ao postigo, não sei se teve de as proibir mais tarde, pelos aglomerados que causavam. Acredito nisto em Espanha e Itália. Não acredito nisto na península nórdica.
Nada em nós é um fim em si mesmo. Os fenómenos de alcoolismo (que obviamente lamento) só em parte são solitários. Quem pesa mais do que deve raramente quer contribuir para a manutenção da pança centrado em si mesmo.
A verdade é que fazemos das actividades algo comunitário. Há excepções, claro. Mas no que toca à alimentação, nas suas várias vertentes, somos gregários.
Somos mais Kantianos e Marxistas do que pensávamos.
terça-feira, janeiro 05, 2021
Mensagem de ano novo
Como (quase) sempre, naquela manhã de 1 de Janeiro, fiz café, excepcionalmente confeccionei ovos mexidos e sentei-me em frente à televisão. Perante uma sala vazia, a Orquestra de Viena aquecia os metais e preparava-se para mais um Concerto de Ano Novo.
A performance foi a de sempre, ilidindo a presunção (agora certamente tida por errada) de que é com o público que aquele género de arte se eleva. Treta. Muito Strauss, muitas valsas. Pouca novidade para a perfeição costumeira.
Tive como inevitável, a cada solo, a cada imagem "típica" de gente a dançar, lembrar-me que estar ali sentado, àquela hora, com aquele programa, era um privilégio.
A primeira imagem que se projectou na minha cabeça foi a de uma diligência em que fui acompanhar um grande Colega meu, já nem me recordo onde. Estávamos em Janeiro de 2020. Na rádio, noticiava-se que "uma pandemia chinesa já havia morto alguns milhares". O Colega, em jeito de brincadeira, comentava: "Epá, já matou 0,00000000000000000000000000000000000001% deles".
O vírus estava longe, na China. Alguma vez chegava cá? Tal crença era partilhada por autoridades de vária ordem.
À medida que os países iam conhecendo infectados por aquela nova ameaça, por cá, a Comunicação Social tinha a tesoura aberta para cortar aquela fita, a fita do primeiro malogrado, do primeiro desgraçado a tossir e a dar-se como febril.
Por outro lado, a minha actividade profissional parecia, finalmente, entrar naquele ciclo em que os profissionais experimentados chamam "os primeiros cinco anos", onde a clientela é regular, pagadora e se começa a perceber a razão de ter seguido a via do Direito prático. As contas públicas conheciam superavit, as empresas começavam a ter confiança.
No dia 12 de Março, em casa dos meus pais, assistíamos a um corajoso discurso do Primeiro Ministro. Adivinhava-se a ameaça.
O resto dos factos são públicos. A interpretação dos mesmos, contudo, fica a cargo de cada um.
Agora que escrevo estas linhas, tudo me parece ter tido lugar há dezenas de anos. Mas isso nem é o mais curioso. É que, não obstante ter a impressão supra descrita, também sinto que nunca havemos de sair disto. O júbilo que senti com as primeiras imagens de vacinação foi arrasado pelos eventos subsequentes, com o aumento do número de pessoas a morrer devido à doença, com hospitais insuficientes para dar resposta e por, no meio audiovisual, não haver esperança.
E essa falta de esperança trouxe-me aqui. Ainda que o aceite, o tenha por certo, ainda me custa constatar o absurdo, passar por ele. Mas é tão evidente, tão palpável.
Resigno-me. Há dois pensamentos que podem ficar aqui, enquanto mensagem de ano novo. O primeiro é meu e o outro não.
Ninguém morreu, até ver.
Toda a infelicidade dos homens nasce da esperança.
Prossigamos.