quarta-feira, janeiro 20, 2021

Portugal e uma bica

 Voltámos ao confinamento.


Não havendo elemento volitivo para abordar o tema, há um aspecto que me mereceu reflexão e que se liga ao estado a que chegámos.

A partir de hoje (e sabe-se lá até quando) os estabelecimentos comerciais não podem vender bebidas ao postigo e, caso vendam comida, a mesma não pode ser consumida ali à porta.

Uma amiga minha levantava esta singularidade no whatsapp e razão tinha ela.

Habituados que estamos a ver, no cinema anglo-saxónico, aqueles baldes de café, que são sempre "to go", em Portugal consome-se uma espécie de cartuxo de caçadeira oco, recheado daquele ouro negro. E o café nunca é "to go". O Café é sempre o café e qualquer coisa. O Café e a conversa. O Café e a contemplação do redor. O Café e a sua degustação calma e tranquila. Beber café a andar é uma negação para nós.

O animal social que por estas bandas habita é curioso a níveis do impensável. Não tenho a certeza do que digo, mas se algum país remeteu as vendas de bebidas e comidas ao postigo, não sei se teve de as proibir mais tarde, pelos aglomerados que causavam. Acredito nisto em Espanha e Itália. Não acredito nisto na península nórdica.

Nada em nós é um fim em si mesmo. Os fenómenos de alcoolismo (que obviamente lamento) só em parte são solitários. Quem pesa mais do que deve raramente quer contribuir para a manutenção da pança centrado em si mesmo. 

A verdade é que fazemos das actividades algo comunitário. Há excepções, claro. Mas no que toca à alimentação, nas suas várias vertentes, somos gregários.

Somos mais Kantianos e Marxistas do que pensávamos.

terça-feira, janeiro 05, 2021

Mensagem de ano novo

Como (quase) sempre, naquela manhã de 1 de Janeiro, fiz café, excepcionalmente confeccionei ovos mexidos e sentei-me em frente à televisão. Perante uma sala vazia, a Orquestra de Viena aquecia os metais e preparava-se para mais um Concerto de Ano Novo. 

A performance foi a de sempre, ilidindo a presunção (agora certamente tida por errada) de que é com o público que aquele género de arte se eleva. Treta. Muito Strauss, muitas valsas. Pouca novidade para a perfeição costumeira.

Tive como inevitável, a cada solo, a cada imagem "típica" de gente a dançar, lembrar-me que estar ali sentado, àquela hora, com aquele programa, era um privilégio. 

A primeira imagem que se projectou na minha cabeça foi a de uma diligência em que fui acompanhar um grande Colega meu, já nem me recordo onde. Estávamos em Janeiro de 2020. Na rádio, noticiava-se que "uma pandemia chinesa já havia morto alguns milhares". O Colega, em jeito de brincadeira, comentava: "Epá, já matou 0,00000000000000000000000000000000000001% deles".

O vírus estava longe, na China. Alguma vez chegava cá? Tal crença era partilhada por autoridades de vária ordem.

À medida que os países iam conhecendo infectados por aquela nova ameaça, por cá, a Comunicação Social tinha a tesoura aberta para cortar aquela fita, a fita do primeiro malogrado, do primeiro desgraçado a tossir e a dar-se como febril.

Por outro lado, a minha actividade profissional parecia, finalmente, entrar naquele ciclo em que os profissionais experimentados chamam "os primeiros cinco anos", onde a clientela é regular, pagadora e se começa a perceber a razão de ter seguido a via do Direito prático. As contas públicas conheciam superavit, as empresas começavam a ter confiança.

No dia 12 de Março, em casa dos meus pais, assistíamos a um corajoso discurso do Primeiro Ministro. Adivinhava-se a ameaça.

O resto dos factos são públicos. A interpretação dos mesmos, contudo, fica a cargo de cada um.

Agora que escrevo estas linhas, tudo me parece ter tido lugar há dezenas de anos. Mas isso nem é o mais curioso. É que, não obstante ter a impressão supra descrita, também sinto que nunca havemos de sair disto. O júbilo que senti com as primeiras imagens de vacinação foi arrasado pelos eventos subsequentes, com o aumento do número de pessoas a morrer devido à doença, com hospitais insuficientes para dar resposta e por, no meio audiovisual, não haver esperança.

E essa falta de esperança trouxe-me aqui. Ainda que o aceite, o tenha por certo, ainda me custa constatar o absurdo, passar por ele. Mas é tão evidente, tão palpável.

Resigno-me. Há dois pensamentos que podem ficar aqui, enquanto mensagem de ano novo. O primeiro é meu e o outro não.

Ninguém morreu, até ver.

Toda a infelicidade dos homens nasce da esperança.

Prossigamos.