quarta-feira, janeiro 10, 2018

Um mail do antigo patrão e da autoria da performance - Uma memória que, pelo tamanho, ninguém lerá

A certa altura da minha vida, fui "destacado" para Cascais onde estive duas semanas a exercer furiosamente (no bom sentido) a minha, vamos lá, desgraçada profissão.
Perto de se completar dois anos desde esse episódio, recordo um outro que se lhe antecedeu e, até, lhe deu causa: a minha saída do meu primeiro emprego.

Com efeito, após concretizar as minhas suspeitas de anos, cheguei a um estado de impossibilidade. Impossibilidade de continuar a ouvir as mesmas vozes, as mesmas conversas, os mesmos tiques. Salvaguardando o aspecto pessoal, que existia, e existe, comuniquei a minha decisão, profundamente triste com o tempo ali perdido, saindo de uma casa onde fiz estágio e nasci para o contencioso legal.

Seguiu-se um mini-mini-mini-empreendimento, que hoje se mantém, a que se juntou uma aposta/tentativa de voltar ao fenómeno-societário-por-conta-de-outrém. Dali também saí, como disse, volvidas duas semanas, sem, contudo, nunca esquecer a maravilha de tratamento de que fui alvo. Objectivamente respeitado, supimpamente bem tratado. A ruptura acabou por se dar só por um factor: o pecuniário. Eu moro na Margem Sul e o posto de trabalho era em Cascais. O que se recebia, depois de gasolina, portagens, impostos e contribuições, era inferior ao que ganhava no tal mini-mini-mini-empreendimento. Guterres dixit: é fazer as contas.

Nos meus caminhos para lá, preferia ouvir rádio. A que tivesse menos "momentos de boa disposição com a sua companhia das manhãs" era a que sobrevivia.

Um dia, passou este tema (expressão que, ao que sei, é odiada por Tozé Brito, que diz que "só existem canções"), que abaixo partilho, directamente do youtube, essa maravilha dos tempos quase modernos.

Para pessoas do sexo masculino mais ou menos desprovidas de emoções, algo que almejo ser mas não sou, trata-se de mais uma composição, podendo ver-se algum lado satírico, uma vez que se tratar de uma cover de um tema de uma conhecida cantora (agora) pop.

A mim deu-me para pensar. Para já, não sabia o que queria dizer, verdadeiramente, bad blood. Sangue mau têm alguns doentes, não fazia sentido. Ao perceber o que se pretendia, como é recorrente em quem tem uma saúde mental desprovida de futuro significativo, como eu, fiquei algo contente. Não tenho bad blood com ninguém. Nem com aquela alma que me chegou a dar estágio e a lembrar-me, diariamente, que a minha média à saída da faculdade (que nem é nada demais) e a minha performance profissional estavam a continentes de distância (palavras minhas, não dele. Era o que faltava usar qualquer género de recurso linguístico ou figura de estilo).

Perdeu-se o original vínculo "laboral", mas nem por isso se perderam as pessoas que comigo cumpriam a vida naquele gulag. Todas as semanas existe um ajuntamento "comezainico" para fomentar o espírito.

Com a alma patronal, limitaram-se os contactos ao facto de lhe remeter correspondência física e electrónica de processos judiciais que lhe pertencem.

Até que ontem, uma colega que por lá milita celebrava o seu aniversário e fez questão de me convidar para o almoço laudatório da efeméride. Foi leal e avisou: meu caro, o "Doutor" vai lá estar e o "Irmão" também.

Lá fui. Lá me sentei ao pé daqueles fantasmas. O "Doutor" está muito mais magro, diria, alguns 50 quilitos mais magro. O "Irmão" está careca a fazer lembrar um piçalho obeso.

Não foi bom, não foi agradável, mas foi necessário. A conversa foi aquela a que se costuma rotular de circunstância. Tempo, bola, filhos e piadas secas.

Foi necessário porque cheguei a prometer que não mais haveria contactos alguns. O necessário, profissionalmente, é necessário e chegando aí parou.

Hoje de manhã, na minha caixa do correio electrónico, estava um mail dele. Uma resposta a um mail meu de há uma semana.

A cortesia, o trato, a educação. Claro, não se coibia de falar mal de uma antiga Colega, uma desertora parecida comigo, mas que não se conteve na hora da saída e arremessou uns impropérios janotas ao bicho.

Considero-me, assim, um morto, um falecido, pelo menos, aos olhos daquela instituição Seixalicoalmadense.

Dos mortos ninguém fala mal.

Acho que, agora, posso encerrar um capítulo.

Nada na vida é estanque e estarei sempre sujeito a fendas no casco que trarão, de forma praticamente inevitável, as águas dos eventos e pessoas passadas. Só que, aqui, superei um desdém que pensava invencível e voltei a partilhar uma mesa com aqueles resquícios. Falamos bem e, penso, não nos enxovalhamos mutuamente nos círculos profissionais.

Não foi a pior maneira de começar o ano.