segunda-feira, janeiro 12, 2015

Ainda não decidi

"Pensar é estar doente dos olhos" ou o autor deste post pensa demais e, portanto, quer fazer um downsizing desse departamento por si próprio apelidado "Departamento de meditação que cai, mais das vezes, em saco roto".

Deixo de falar na terceira pessoa, agora.

Ainda não decidi se sou, ou não, Charlie.

Como quero diminuir o peso do supra citado "Departamento" limitei-me a ver os factos e a tirar conclusões, sempre no tom mais básico a que qualquer representante da humanidade pode aspirar.

Os ataques são de um nojo inominável. Soma-se tudo o que está errado: tirar a vida às pessoas, em nome de inexistências, por motivos reprováveis.

Atacou-se a vida, a liberdade de expressão, de imprensa e fez-se a apologia da violência e de um sector extremista de uma religião que até prega a paz.

Porventura, quando se ergue a bandeira de "Somos todos Charlie", queria estender-se a todos e a cada um a dor do ataque. Não com o preço da própria existência, mas num acto simbólico em que ficámos todos afectados com a diminuição, pela força, de liberdades essenciais. Será qualquer coisa do género: calar um é calar todos. Aconteceu a um como podia ter acontecido a todos.

Depois apareceu o Gustavo Santos.

Quem tem andado atento a vídeos e programas de TV sabe de quem se trata. Life Coach (e associar o termo ao futebol?) e apresentador. Ex-bailarino e atual lenha para queimar.

A única coisa que, até hoje, o Gustava Santos me deu foi uma valente gargalhada. E não estou as falar do comentário que fez no FB. Refiro-me aos vídeos motivacionais em que "o grande amor da vida do Gustavo é o Gustavo. Por isso é que se chama a vida do Gustava. A nossa mente chama-se mente porque nos mente todos os dias".

Depois de me lembrar do "Meu irmão", imortal êxito do quarteto 1111, ri-me.

Gustavo Santos foi linchado. Só faltou irem a casa dele com Ak-47 e darem-lhe um tiro.

Para além do Gustavo Santos, apareceu Rui Sinel de Cordes. João Quadros. José de Pina. Tudo nomes cujo trabalho aprecio, cada um à sua maneira. Chegaram comentadores. Chegaram anónimos.

Já ninguém queria ser Charlie. Uns porque "não é Charlie quem quer". Outros porque não gostam de rótulos e outros por ser Charlie não é nada daquilo que tem sido apregoado.

Nisto, sinto-me como o Paulo de Carvalho.

Fiquei sem saber quem era e o que fazia aqui.

Depois de tanta linha escrita, tanta tinta usada, só me apercebi que sou o autor deste post.


Sei lá se sou Charlie.

O "mote" usado para agregar as pessoas para uma causa (Je suis Charlie) foi, ele próprio, alvo de discussão, de separação, de ofensa e de contenda, ainda que a uma escala reduzida.

E era usado para o bem!

O dever de qualquer pessoa de bem, concorde ou não com os Cartoons, Cristão ou Muçulmano, jornalista ou "civil", preto ou branco, mais cómico ou menos cómico, mais ou menos susceptível, é só um e um só: condenar o acto que vitimou aquelas pessoas. Porque não há desculpa no mundo que salve quem as atacou.

Não há razão para pensar se houve excesso dos cartoonistas. Nem para pensar sobre os limites de humor. Não é essa a discussão.

Morreram pessoas. Morreram no exercício das suas funções. Morreram sem razão atendível.

Só se pode discutir os limites do humor quando há liberdade. Só se pode discutir o que é ou não ofensa quando existem e se aplicam os mecanismos próprios do Estado de Direito.

Quem mata porque está ofendido não sabe o que é a liberdade. Quem defende cegamente um ideal sem postura crítica não é livre.

Por isso, com o devido respeito, marimbo-me para quem é e para quem não é Charlie.