"Pensar é estar doente dos olhos" ou o autor deste post pensa
demais e, portanto, quer fazer um downsizing desse departamento por si próprio
apelidado "Departamento de meditação que cai, mais das vezes, em saco
roto".
Deixo de falar na terceira pessoa, agora.
Ainda não decidi se sou, ou não, Charlie.
Como quero diminuir o peso do supra citado "Departamento"
limitei-me a ver os factos e a tirar conclusões, sempre no tom mais básico a
que qualquer representante da humanidade pode aspirar.
Os ataques são de um nojo inominável. Soma-se tudo o que está errado: tirar
a vida às pessoas, em nome de inexistências, por motivos reprováveis.
Atacou-se a vida, a liberdade de expressão, de imprensa e fez-se a apologia
da violência e de um sector extremista de uma religião que até prega a paz.
Porventura, quando se ergue a bandeira de "Somos todos Charlie",
queria estender-se a todos e a cada um a dor do ataque. Não com o preço da
própria existência, mas num acto simbólico em que ficámos todos afectados com a
diminuição, pela força, de liberdades essenciais. Será qualquer coisa do
género: calar um é calar todos. Aconteceu a um como podia ter acontecido a
todos.
Depois apareceu o Gustavo Santos.
Quem tem andado atento a vídeos e programas de TV sabe de quem se trata.
Life Coach (e associar o termo ao futebol?) e apresentador. Ex-bailarino e
atual lenha para queimar.
A única coisa que, até hoje, o Gustava Santos me deu foi uma valente
gargalhada. E não estou as falar do comentário que fez no FB. Refiro-me aos
vídeos motivacionais em que "o grande amor da vida do Gustavo é o Gustavo.
Por isso é que se chama a vida do Gustava. A nossa mente chama-se mente porque
nos mente todos os dias".
Depois de me lembrar do "Meu irmão", imortal êxito do quarteto
1111, ri-me.
Gustavo Santos foi linchado. Só faltou irem a casa dele com Ak-47 e
darem-lhe um tiro.
Para além do Gustavo Santos, apareceu Rui Sinel de Cordes. João Quadros.
José de Pina. Tudo nomes cujo trabalho aprecio, cada um à sua maneira. Chegaram
comentadores. Chegaram anónimos.
Já ninguém queria ser Charlie. Uns porque "não é Charlie quem
quer". Outros porque não gostam de rótulos e outros por ser Charlie não é
nada daquilo que tem sido apregoado.
Nisto, sinto-me como o Paulo de Carvalho.
Fiquei sem saber quem era e o que fazia aqui.
Depois de tanta linha escrita, tanta tinta usada, só me apercebi que sou o
autor deste post.
Sei lá se sou Charlie.
O "mote" usado para agregar as pessoas para uma causa (Je suis
Charlie) foi, ele próprio, alvo de discussão, de separação, de ofensa e de
contenda, ainda que a uma escala reduzida.
E era usado para o bem!
O dever de qualquer pessoa de bem, concorde ou não com os Cartoons, Cristão
ou Muçulmano, jornalista ou "civil", preto ou branco, mais cómico ou
menos cómico, mais ou menos susceptível, é só um e um só: condenar o acto que
vitimou aquelas pessoas. Porque não há desculpa no mundo que salve quem as
atacou.
Não há razão para pensar se houve excesso dos cartoonistas. Nem para pensar
sobre os limites de humor. Não é essa a discussão.
Morreram pessoas. Morreram no exercício das suas funções. Morreram sem razão
atendível.
Só se pode discutir os limites do humor quando há liberdade. Só se pode
discutir o que é ou não ofensa quando existem e se aplicam os mecanismos
próprios do Estado de Direito.
Quem mata porque está ofendido não sabe o que é a liberdade. Quem defende
cegamente um ideal sem postura crítica não é livre.
Por isso, com o devido respeito, marimbo-me para quem é e para quem não é
Charlie.