Num longíquo ano, em que já havia sido adquirida uma fantástica câmera de filmar marca Sony, como sempre foi e será tradição, reuniu-se a família para celebrar o Natal "lá em casa".
Falham as memórias mais certas, mas há coisas que são nítidas, quanto mais não seja por se perpetuarem e replicarem no tempo. A mesa dos doces, a azáfama na cozinha, as conversas, os risos, os momentos.
Estavam todos vivos. Até os gatos.
Abrem-se as prendas.
O meu pai filma o momento. Quando se pensava que iriamos ver a alegria quase contagiante estampada nos rostos de quem vai perceber que segredos traz um embrulho, o filme mostrava uma outra cena: os supra citados gatos.
Um deles entretinha-se com os papeis e laços que constituiam os embrulhos.
O outro tinha subido à mesa e deleitava-se com a aletria.
A música de fundo da comédia era de risos e galhofa provocados pelos convivas.
Ainda no mesmo filme, ouvia-se uma expressão, posteriormente batida, porque repetida: "Ai, é o último natal, o último natal".
Claro que não foi o último natal. Para ela.
Como escreveu, não há muito tempo, Lobo Antunes: "Quando eu era pequeno ninguém morria. Porque carga de água se morre agora, pelo simples facto de eu ter crescido?".