Desconheço como seja para os demais, ainda que aposte que é muito menor escala.
Sempre fui objecto de dislates, comentários, conselhos e até ordens.
- Estás gordo.
- Está magro (esta, confesso, tem anos)
- Quando é que cortas o cabelo?
- Quando é que deixas de fumar?
- Quando é que arranjas namorada?
- Quando é que vais estudar?
- Quando é que tens isso pronto.
A lista era maior, mas cortei-a para efeitos de concisão.
Coincidentemente, quem mais gostava de me fazer perguntas como as supra mencionadas era também quem achava que eu era "susceptível".
A razão pela qual introduzi o presente texto com as linhas com o qual começou deverá ser mais psiquiátrica do que propriamente auxiliativa à percepção do que aqui vai sendo escrito.
E o que vai ser aqui escrito é algo que me tirou uma noite de sono, ainda ontem.
Morreu uma amizade.
Não uma amiga, mas uma amizade.
Uma amizade de décadas da qual, ainda assim, recordo o seu início. Recordo o que foi o seu desenvolvimento. Sei porque chegou ao fim.
Perdi muitas amizade ao longo dos anos. A sapiência da minha mãe sempre apontou as causas: "tu exiges demais das pessoas".
Maybe so.
Talvez seja o meu carácter de ermita. O gosto que tenho pelo silêncio da solidão. Ao contrário da maioria dos idosos, nunca me assustou ficar sozinho.
Mas neste caso, não foi por aí.
Esqueci-me do que me fazia ser amigo dela. Era prestável? Não. Ajudou-me em momentos que precisei? Não. Conhecia-me? Não. Respeitava-me? Não. Respeitava quem estava à minha volta? Não. Solicitou a minha ajuda? Sim. Ajudei? Sim. Precisou de mim? Sim. Alguma vez agradeceu? Não.
O culminar de tudo foi associar-me a uma caricatura, a um ser perfeitamente detestável. Rematou tudo chamando-me pelo meu apelido, coisa que nunca na vida fez, pelo menos à minha frente.
Terá sido a pandemia e o que nela dissemos que terá provocado a distância, que terá cavado o fosso.
Terá sido a vida e as experiências que ela proporciona.
Terei sido eu e a minha mania de querer algo dos meus amigos, como seja respeito, capacidade de me ouvirem sem criticar, não ser reduzido.
Bom, mas a vida segue.
Acho que atingi uma idade em que não vale a pena fazer disto grande cavalo de batalha. Não vale a pena confrontar a pessoa. Isto, por uma razão simples: não quero provocar reforma no comportamento, quero mesmo distância, o fim daquilo na minha existência.
Também não vale a pena provocar um sismo. Há amigos comuns que quero que se mantenham e não se vejam forçados a tomar conhecimento do que penso, muito menos tenham que tomar lados.
Um dos grandes humoristas deste tempo terá dito qualquer coisa como: a morte é muito parecida à estupidez, uma vez que tem efeitos nos outros. O morto não tem consciência da morte e o estúpido idem.
Sendo a morte, aqui, metafórica, "estúpido" e "morto" coincidem. Pela minha parte, não há necessidade de que percebam este meu estado.
Para isso serve este texto.