Típica manhã de Dezembro, no início de Dezembro. Ainda escrevo os meses com letra maiúscula.
No carro, aquela réstia de humidade que cobre as janelas. Estava a limpá-las.
"Perdoe-me a ousadia, mas vai para o Laranjeiro?"
Exibia-se um ser humano maior que eu, de voz grossa e vivida, vestido como podia e com um braço ao peito. Olhei-o.
"Por acaso, hoje não. Vou para Almada, centro sul"
Cogitou.
"Deixe estar, obrigado"
Insisti
"Mas não quer que o deixe em Almada?"
"Centro sul? Sim, se calhar ainda consigo ir de metro, não sei é se terei dinheiro para o bilhete."
"Entre."
Apresentou-se. Era Engenheiro de comunicações
"Fui Colega do Guterres e do Mister da Selecção".
Explicou-me o Curriculum.
"Trabalhei 16 anos na Inglaterra, era Engenheiro lá. Depois, tive uma doença rara, dois AVC e não me consegui levantar. Hoje, sou sem-abrigo por causa da filha da puta da minha irmã."
Ainda começou a introduzir o tópico "filha da puta da minha irmã", mas estava mais engajado no caminho que tinha tido antes.
"Fui a muitos médicos e só um me diagnosticou. Cá, em Portugal, já estive internado sem falar e sem ver".
O cenário era negro.
"Agora, dei uma queda, filha da puta".
Começámos a chegar ao destino.
"Agora, vou para Cuba, casar-me com uma Cubana. É tal qual a Naomi Campbell. Se olhar para mim, veja lá se não sou tal qual o Morgan Freeman? Em Inglaterra, tenho histórias destas fabulosas."
Parámos, perguntou-me o nome, disse.
"Não me vou esquecer de si".
Não me importava nada de ter ido beber um copo com aquele homem.