quinta-feira, abril 06, 2017

A poluição da blogoesfera

Fitter, happier, more productive
Comfortable
Not drinking too much
Regular exercise at the gym
Three days a week


Um problema clássico é aquele que medita sobre o nosso lugar no mundo. Podemos ver isto de uma perspectiva mais ampla ou, então, centrar a discussão em nós próprios.

Francamente, marimbo-me para a perspectiva ampla. A humanidade que trate dela, enquanto todo. Tem a eternidade para isso.

Contudo, se penso neste corpo claramente fora de prazo e na eventualidade de alma que o habita, fico indisposto.

O meu lugar no mundo está errado. Deduzo isto através de um princípio de inversão e observação com pena. Penso em bêbedos. Penso em drogados. Penso em que gente que fez outras escolhas. Depois, penso em mim.

Há, essencialmente, três atitudes que todos temos perante um bêbedo. Falo de bêbedos crónicos, alcoólicos, não é de verdinhos em Calpe.

a) Nojo. Queremos que ele vá à vida dele.
b) Gozo. Se o bêbedo arrastar a voz e disser que "O Salazar é que foi um grande home" o dia está ganho.
c) Pena.

A pena é o ponto. Pena. Porquê? Porque "está a estragar a vida", porque "havia potencial", porque "a idade devia dar outro discernimento", enfim, penas para todos os gostos e situações.

A pena deriva de uma comparação. Que a tem, para com outrem, tem-na porque conhece gente feliz sem lágrimas e com modesto ou abundante sucesso. Gente que, não como o bêbedo que vislumbram, pôs ao seu serviço o potencial que detinha.

O bêbedo representa a antítese daquilo que poderia ser a vida. É a negação da concretização. É a confirmação da desgraça.

Posto isto, eu.

Passada a barreira psicológica dos 30, voltei a pensar nos feitos. O número é redondo. Tão redondo quanto um zero pode ser.

Há realizações pessoais, claro. Há motivos pelos quais lutar. Felizmente, todos eles externos. Só podia.

Dei por mim a liquidar (no sentido fiscal) os talentos e capacidades. O número é bonito. Tão bonito quanto um zero pode ser.

Dei por mim a pensar que, se fosse eu o bêbedo, ninguém sentiria pena. Corresponderia ao meu lugar no mundo. Ao olhar para mim, quando noutro caso haveria pena, no meu caso haveria um aceno de cabeça, confiante, como se dissessem: "Cada um é mesmo para o que nasce".

Devia ter-me desviado de um hipotético caminho do natural há anos. Teria poupado os que me estão próximos à minha natural "chatice".

Já sendo, deveria ser, ainda mais, um farrapo humano. Com um prazo muito curto de vida.

Não digo drogas. Digo álcool.

O meu lugar no mundo é o de farrapo. 




Em diante. Dizer em diante. Ser dito em diante. Dalgum modo em diante. Até de modo nenhum em diante. Dito de modo nenhum em diante.

Dizer por ser dito. Desdito. De ora em diante dizer por ser desdito.

Dizer um corpo. Onde nenhum. Mente nenhuma. Onde nenhuma. Ao menos isso. Um lugar. Onde nenhum. Para o corpo. Estar lá dentro. Morrer-se lá dentro. E sair. E voltar lá para dentro. Não. Sair nenhum. Voltar nenhum. Só entrar. Ficar lá dentro. Em diante lá dentro. Parado.

Tudo desde sempre. Nunca outra coisa. Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.




samuel beckett
últimos trabalhos de samuel beckett
tradução de miguel esteves cardoso
o independente / assírio & alvim
1996