Há coisa de duas semanas, fui exercer o patrocínio forense para Lisboa. Tratava-se de um processo-crime, estando em causa factos enquadráveis nos tipos de condução sem habilitação e falsificação de documento. Como tantas vezes acontece, isto deu-se no âmbito do apoio judiciário.
Hoje teve lugar a continuação. Este que vos escreve habita na margem sul do Tejo. Sendo a audiência às 9.30h, teve que levantar-se às 6.30h. Até que chegou ao tribunal. É feita a chamada e aparece uma Colega.
"O Arguido é meu cliente. Contactou-me e vai passar procuração neste processo". O Arguido, que vinha do EPL, confirmou. A Colega pede desculpa, uma vez que tinha sido contactada ontem para o efeito.
"Muito obrigada, sotore, até à próxima." Juiza educada.
Desde então, fui duas vezes ao tribunal de Almada, por motivos diversos, tive uma reunião por Lisboa e a vida foi fluindo, como não podia deixar de ser.
Cheguei ao escritório e abro o Facebook. É uma coisa que faço. Mantém-me a par da actualidade.
O Facebook tem muitas coisas, mas a principal e que o distingue de todas as realidades próximas é algo peculiar: "indignação".
É um mar de indignação. "Querem eutanasia? Porcos!". "Não querem eutanasia? Porcos!".
A indignação de hoje é, de longe, a minha favorita: críticos de cinema do Público.
Que fizeram os "mininos"? Deram duas estrelas ao filme "Elementos Secretos".
Eis alguns comentários:
"Epá, mas vocês gostam de algum filme?!?!?"
"Dá
2 estrelas a este... mas 5 estrelas ao CAVALO DE TURIM, que é
literalmente 2 horas a ver um casal idoso a tratar da sua horta e a
descascar batatas...Por amor de deus..."
"ahaha o público acha que não existe mais cinema depois do "e tudo o vento levou""
Mais uma vez devo reflectir sobre a importância da crítica. Há dias, um amigo meu dizia-me que se podia perfeitamente comparar Bach com Quim Barreiros, concluindo que Quim Barreiros era, à falta de melhor expressão, azeiteiro, e pior, inferior.
Se tentarmos transpor o exercício para o cinema, estes comentários perdem toda a razão de ser. Ao fim e ao cabo, os críticos do Público estão certos na análise. O Cavalo de Turim (que tenho lá em casa para ver, juntamente com 3 filmes do mesmo cineasta) é, reconhecidamente, uma obra prima que seria o Bach do cinema. Ao pé dele, os Elementos Secretos é um Quim desta vida.
Só que não.
Por duas razões.
A primeira de ordem sociológica: estes filmes de que vos falei (Cavalo e Elementos) são totalmente diferentes. Não podem concorrer entre si um Musical, uma Comédia, um Drama ou um filme do Van Damme. E porquê? Pela mesma razão que não podemos preferir o lombo à salada. São coisas diferentes que, em alguns casos, se podem complementar. Mas num certame gastronómico, o bolo de arroz concorre em categorias diferentes do Bucho à moda de Ceia.
A segunda é de ordem arbitrária: povo, cada um gosta do que gosta. É bom gostar de tudo, até do mau. Mas é mau só gostar do mau.
Isto para concluir que gostava de ter acabado o julgamento do Arguido e para dizer que os críticos do Público dizem o que lhes apetece, que é para isso que lhes pagam.
Quem pensou que eu ia fazer uma ponte sobre ambos os eventos ou tópicos enganou-se.
Recordo que eram 6.30 da manhã quando me levantei.
Obrigado, boa tarde.