Pertenço ao mundo jurídico e, no mundo jurídico, entre tantas outras realidades, existem presunções.
Também existe gente presunçosa, presuntos e presumíveis.
Centremo-nos: presunções são consequências deduzidas de um fato conhecido, não destinado a funcionar como prova, para chegar a um fato desconhecido.
Eis o facto conhecido (até agora, pelo menos) por mim: juiz nenhum desta terra abençoada por deus e pouco tropical ouve alegações de um causídico. Se ouve, não as leva em conta. Se as leva em conta, não leva.
Hoje fui defender um fulano que nunca vi. Que fez o cavalheiro? Pegou no passe social do amigo e foi andar de autocarro, usando o dito passe para possibilitar o seu trajecto.
Segundo uma lei bonita, a que se convencionou chamar Código Penal, parece que é crime, podendo dar cadeia.
Como nunca o vi, não sei qual a versão dele, se tem testemunhas, sequer. Tentou enviar-se missivas para o domicílio e nada. Se isto fosse uma série, era o Macgyver. Eu tenho o canivete suíço e uma linha de botão descosido e o M.P o arsenal do Pentágono.
Não desisto de resistir. O M.P, depois de ouvir um mui honrado agente da PSP, pede justiça. Assim. Nem "ai" nem "ui". Se fosse um advogado oficioso, era para queimar na fogueira marinho-pintista.
Calha estar um advogado oficioso na sala. Este que vos escreve.
Apresenta os cumprimentos a todos. Debita uma teoria jurídica baseada no conceito material de crime, que vai desaguar numa falta de consciência da ilicitude que terá, como efeitos práticos, uma absolvição. Também disse qualquer coisa abonatória caso se entendesse o contrário.
Durante o meu breve excurso vi algo que jamais pensei existir: um sorriso de Mona Lisa e um olhar sobre uns óculos...da juíza.
A Procuradora olhava como se eu falasse de direito marciano. Também um misto entre alguém que acaba de descobrir que comeu fezes caninas e ouviu a Maria Leal a primeira vez. Havia nojo.
Assim que termino, o sorriso mantém-se e o olhar idem.
"Oh sótor, não concordo nada consigo!"
Por isso, meus amigos, não só uma coisa aconteceu hoje, mas sim duas.
Uma juiza "discutiu" o mérito das alegações com o causídico e...
Afinal estava a ouvir!