segunda-feira, maio 18, 2015

A multiplicação dos aniversários

"Comemoro" (e mais aspas houvesse) 3 anos de agregação à Ordem dos Advogados.

Recordo-me do dia. Foi tão indiferente, que até comecei a fumar. Foi tão ligeiro, que nem consegui estar ao pé das examinadoras quando foi revelada a nota.

Em suma, um dia fácil, ou não dependessem quase três anos da mais pura submissão a um só momento.

3 anos depois, nesta Segunda-Feira, chego ao escritório e recebo uma mensagem no telemóvel.

"Já tive a má notícia, a juiza condenou-me a pagar tudo a eles".

*

Fui procurado por um colega. Disse-me que precisava da minha ajuda. Havia duas partes em contenda e ele, advogado, sendo amigo de ambas, não queria patrocinar aquela que lhe tinha solicitado patrocínio forense. Pediu-me, então, que avançasse, que representasse aquela que o tinha procurado. O trato era simples: ele fazia os articulados e eu o julgamento.

O caso era ruím. Em traços largos, duas amigas de infância, uma mais rica e outra menos, começaram a explorar um café, juntamente com o marido da rica. O negócio foi proveitoso e quiseram avançar para uma frutaria, na porta ao lado. A frutaria era para ser explorada pelas duas, tanto que ambas, formalmente, eram gerentes. A rica e o marido pediram um empréstimo ao banco e equiparam a casa. Contudo, o negócio correu mal. Não havia receitas, surgiram multas de várias entidades...um pavor. É então que a rica decide que quer fechar aquilo. A menos abonada diz que não, que mantém o barco. Celebra novo contrato de arrendamento e fica a laborar lá.

Alguns anos mais tarde, a rica e o marido dão entrada de uma acção a pedir uma avultada quantia pelos móveis que ficaram no estabelecimento, alegando a existência de um contrato de compra e venda. A "Demandada" procura o meu colega e o meu colega procura-me a mim.

Vim a saber várias coisas.

- Nunca foi celebrado contrato algum. Aliás, os "Demandantes" juntam na Petição Inicial uma minuta e para lá remetem quando querem provar a "existência do contrato";

- Por várias vezes, a minha constituinte insistiu para que os "Demandantes" fossem buscar os seus móveis, até lhe enviou cartas;

- A rica (so to speak) tinha a chave da loja, e sempre teve, para poder ir buscar os móveis e nunca foi;

- A rica deixou dívidas e a pobre pagou-as.

Faz-se julgamento. A minha primeira pergunta para todas as testemunhas, seja dos "Demandantes" como da "Demandada" foi: tem conhecimento se foi celebrado algum contrato entre as partes? A resposta, de todas!, foi uma só: "não". Se não há nada escrito e se ninguém pode confirmar a existência de contrato, está criada uma nova modalidade de prova: a prova por presunção de existência de contrato.

As testemunhas sabiam que tinha havido amizade, um negócio, que as coisas correram mal, mas nunca ninguém disse que tinha havido um contrato.

*

No aniversário dia em que me agreguei, perdi uma acção.

A meu ver, perdi-a sem razão (a sentença é anedótica ao ponto de dar como provados factos que TODAS as testemunhas negaram).

Perdi.


Perder quando o cliente pode suportar é uma coisa. Perder quando nem havia alternativa é uma coisa. Perder quando nada se logrou é uma coisa.

De forma vergonhosa, uma quadrilha foi a um Julgado de Paz pedir dinheiro e saiu de lá com uma sentença.

Sem provar nada. Sem mostrar nada.

E eu não pude evitar.

Perdi.

Se houver deus, não estarei mais 3 anos metido neste sistema.

Não haja equívocos: esta é a pior profissão do mundo.

E eu celebro o terceiro aniversário de "carreira". Sou um Tony.