Em 2013, saiu um filme chamado "A Purga". Apesar do simples conceito, não se pode deixar de pensar na sua raison d'être (pardon my french), bem como nos seus benefícios, sendo mais evidentes os malefícios.
Parte-se desta premissa: todo o facto típico, ilícito, culposo e punível (ou seja, todo o crime) fica desculpado num período de 12 horas, numa só noite do ano. O mesmo é dizer que vale roubar, violar, burlar e até mesmo matar naquela janela temporal. Fora dela, há punição como sempre.
Como qualquer humano com uma (ainda que pequena e não diagnosticada) patologia do foro mental, tenho uma lista de individualidades que "despachava" com o gosto de quem vai comer uma lampreia na altura certa do ano. Assim, creio que a supra citada razão de existir, seja do conceito, seja da realidade virtual em que é aplicado, vem destes desejos intímos da prática da maldade com impunidade. É comum.
Agora, supondo, no reino do impensável (porque é mesmo do impensável que se trata), que esta "prática" existia, seria criado um dilema. Valeria a pena arriscar e tentar "lograr" as possibilidades que aquelas 12 horas trariam? Quem vai à guerra dá e leva. Simples as that.
A minha pergunta é: vale tudo? Valeria tudo? Quem me garantia que não haveria uma alma da minha lista, à minha espera, com o mesmo objectivo que o meu?
Estas pequenas linhas servem só para um ensaio de conclusão sobre os meus sentimentos relativos a uma "borla penal": até no irrealismo absoluto, em que seria permitida a barbarie, seria preciso pensar. Pensar em como conseguir tirar partido de uma folga, de um buraco, sem que para ele sejamos arrastados.
Mas vale a pena colocar um travão. Não se faz a apologia da ideia. Nada seria pior.
segunda-feira, junho 30, 2014
sexta-feira, junho 27, 2014
O Paradoxo da Tangência virtual
Comecemos pelos conceitos, o que é bem bonito: o título deste post é uma contradição em si mesmo. Não há tangência virtual. Desde logo, as sensações que a virtualidade (no sentido estrito do uso da internet) nos pode provocar advêm da visão.
Contudo, tomei a liberdade (qual Ambrósio), de receber a tangência como algo superior ao contacto físico ou quase contacto físico.
Ao reler alguns textos (miseráveis, como não?) que aqui escrevi, foi-me irresistível vislumbrar os escritos nas caixas de comentários. Estatisticamente falando, a minha maior comentadora e, quiçá, apoiante, é alguém que está longe, por diversos motivos. Longe da vista, sobretudo, longe do coração.
Para um ser que sofre de diversas patologias do foro psiquiátrico, como o ora signatário, foi-me inevitável recordar um passado já com alguns anos, lembrar-me do que foi como tudo aconteceu, no tocante à dita comentadora.
Cheguei a uma lamentável conclusão, que de algum forma tem relação com o "direito ao esquecimento" de que falou um recente acordão do TEDH. A escrita vale menos que a palavra dita. Vale, sobretudo, menos que as acções. Contudo, existe.
A escrita cristaliza determinado horizonte temporal. Encerra-o. Fica ali. Escrevinhar hoje, numa qualquer caixa de comentários de blogue, serve para marcar um posição com prazo de validade. É certo que, naquele momento, pensou-se o que se escreveu. Contudo, mercê do empirísmo lacinante de que fui alvo, o que se pensou, e até mesmo positivou, voou. Pode ter voado. Ou até não.
Retomando, quem lesse, como li, o que foi escrito, pensaria que tudo estava bem,
Ora, como dei a entender, não está.
Contudo, tomei a liberdade (qual Ambrósio), de receber a tangência como algo superior ao contacto físico ou quase contacto físico.
Ao reler alguns textos (miseráveis, como não?) que aqui escrevi, foi-me irresistível vislumbrar os escritos nas caixas de comentários. Estatisticamente falando, a minha maior comentadora e, quiçá, apoiante, é alguém que está longe, por diversos motivos. Longe da vista, sobretudo, longe do coração.
Para um ser que sofre de diversas patologias do foro psiquiátrico, como o ora signatário, foi-me inevitável recordar um passado já com alguns anos, lembrar-me do que foi como tudo aconteceu, no tocante à dita comentadora.
Cheguei a uma lamentável conclusão, que de algum forma tem relação com o "direito ao esquecimento" de que falou um recente acordão do TEDH. A escrita vale menos que a palavra dita. Vale, sobretudo, menos que as acções. Contudo, existe.
A escrita cristaliza determinado horizonte temporal. Encerra-o. Fica ali. Escrevinhar hoje, numa qualquer caixa de comentários de blogue, serve para marcar um posição com prazo de validade. É certo que, naquele momento, pensou-se o que se escreveu. Contudo, mercê do empirísmo lacinante de que fui alvo, o que se pensou, e até mesmo positivou, voou. Pode ter voado. Ou até não.
Retomando, quem lesse, como li, o que foi escrito, pensaria que tudo estava bem,
Ora, como dei a entender, não está.
Fiquei tocado. Ainda que sem razão.
segunda-feira, junho 23, 2014
Diferentes formas de vida. Até sempre.
É
preciso que compreendam: nós não temos competência para arrumarmos os mortos no
lugar do eterno.
Os
nossos defuntos desconhecem a sua condição definitiva: desobedientes,
invadem-nos o quotidiano, imiscuem-se do território onde a vida deveria ditar
sua exclusiva lei.
A mais
séria consequência desta promiscuidade é que a própria morte, assim desrespeitada
pelos seus inquilinos, perde o fascínio da ausência total.
A morte
deixa de ser a mais incurável e absoluta diferença entre os seres.
Mia
Couto, in 'Cada Homem é uma Raça'
sexta-feira, junho 06, 2014
In memoriam
A Morte Não É Nada Para Nós
Habitua-te a pensar que a morte não é nada para nós, pois que o bem e o mal só existem na sensação. Donde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte não ser nada para nós permite-nos usufruir esta vida mortal, evitando que lhe atribuamos uma idéia de duração eterna e poupando-nos o pesar da imortalidade. Pois nada há de temível na vida para quem compreendeu nada haver de temível no facto de não viver. É pois, tolo quem afirma temer a morte, não porque sua vinda seja temível, mas porque é temível esperá-la.
Tolice afligir-se com a espera da morte, pois trata-se de algo que, uma vez vindo, não causa mal. Assim, o mais espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois enquanto vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais. Não há morte, então, nem para os vivos nem para os mortos, porquanto para uns não existe, e os outros não existem mais. Mas o vulgo, ou a teme como o pior dos males, ou a deseja como termo para os males da vida. O sábio não teme a morte, a vida não lhe é nenhum fardo, nem ele crê que seja um mal não mais existir. Assim como não é a abundância dos manjares, mas a sua qualidade, que nos delicia, assim também não é a longa duração da vida, mas seu encanto, que nos apraz. Quanto aos que aconselham os jovens a viverem bem, e os velhos a bem morrerem, são uns ingénuos, não apenas porque a vida tem encanto mesmo para os velhos, como porque o cuidado de viver bem e o de bem morrer constituem um único e mesmo cuidado.
Epicuro, in "A Conduta na Vida"
Pela primeira vez, perdi um colega de trabalho.
Habitua-te a pensar que a morte não é nada para nós, pois que o bem e o mal só existem na sensação. Donde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte não ser nada para nós permite-nos usufruir esta vida mortal, evitando que lhe atribuamos uma idéia de duração eterna e poupando-nos o pesar da imortalidade. Pois nada há de temível na vida para quem compreendeu nada haver de temível no facto de não viver. É pois, tolo quem afirma temer a morte, não porque sua vinda seja temível, mas porque é temível esperá-la.
Tolice afligir-se com a espera da morte, pois trata-se de algo que, uma vez vindo, não causa mal. Assim, o mais espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois enquanto vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais. Não há morte, então, nem para os vivos nem para os mortos, porquanto para uns não existe, e os outros não existem mais. Mas o vulgo, ou a teme como o pior dos males, ou a deseja como termo para os males da vida. O sábio não teme a morte, a vida não lhe é nenhum fardo, nem ele crê que seja um mal não mais existir. Assim como não é a abundância dos manjares, mas a sua qualidade, que nos delicia, assim também não é a longa duração da vida, mas seu encanto, que nos apraz. Quanto aos que aconselham os jovens a viverem bem, e os velhos a bem morrerem, são uns ingénuos, não apenas porque a vida tem encanto mesmo para os velhos, como porque o cuidado de viver bem e o de bem morrer constituem um único e mesmo cuidado.
Epicuro, in "A Conduta na Vida"
Pela primeira vez, perdi um colega de trabalho.
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